Com Agulhas

Eu gosto de escrever, de inventar uns diálogos loucos em jantares imaginários. Eu gosto de roupas, invento uns modelos e luto pra dar as luzes, partos difíceis esses, idéias. Gosto de comprar roupas e sapatos, futilidades não, estilo próprio; não sou uma fashion victim - a vida é demasiado curta pra rótulos e embalagens estragadas. Eu gosto de café, de canecas e de planos de casamento. Gosto de mim, contudo e com tudo.

Com Canetas

Eu tenho um dois à esquerda na idade, mas não acho que sou tão velha. Chamo minha gata de nenê e dou apelidos adoráveis ao meu namorado. Eu tricoto porque me acalma, produzindo, me agradam as cores das lãs. Eu amo porque não vivo no gris, amor vivo, amo pessoas e filmes e livros e bichos. Eu tenho o Heitor, já me basta de tanto amor. Eu adoro a língua francesa, adoro as idéias parisienses e as boinas e os cafés.

Um textinho báááááásico ^^

Beeem...

Não tenho nada de novo para postar, fora uma historinha très banal em français :)

Un bonjour à la famille

George Desmoulins est français. Il a 33 ans et il est caissier dans un magasin de vêtements d'hommes à Paris. Il est brun et il a des yeux noirs. Il se lève à sept heures et demi du matin et va à la salle de bains pour aller au toilette, laver le visage et se brosser les dents. Il est marié à Amélie Berger. Elle est allemand et elle a 31 ans. Elle travaille comme secrétaire dans un bureau d'informatique du centre ville. Ils ont une enfant, Louise. Elle a 10 ans et elle se lève tôt aussi pour aller à l'école. Ils prennent le petit-déjeuner ensemble. Sur la table il y a du café, du lait, du fromage, du pain, du jus d'orange, du beurre et des fruits. Ils mangent et ils parlent de la journée à venir. Après le repas, la famille s'habille et quitte la maison en voiture. La mère conduit le véhicule parce qu'elle travaille le plus loin. Ils descendent de la voiture chacun à leur tour et commecent la journée.


A Dúnia está a caminho e coisas ^^

Falta cada dia menos pro Heitor chegar...

E hoje eu acabei de escrever 2 contos \o/

J'aime des jours créatifs !

Au revoir!!

Nietzschiana

Ela saiu do trabalho para encontrar seu marido e irem almoçar juntos.
Tudo estava mais ou menos: O dia,nem quente,nem frio; nem seco,nem úmido;
nem claro,nem escuro. Tivera uma manhã mais ou menos. Seu humor estava mais
ou menos. Querem saber como ia sua vida? Mais ou menos.
Era um dia extremamente comum.
Ao pisar na rua,deparou-se com uma dúvida: Ir de carro ou a pé?
Resolveu andar... Tinha certeza de que não choveria, pois a chuva seria
algo demasiado grandioso para um dia tão ordinário.
Sem querer reparou no ar ao seu redor, cheiro de rosas murchas.
Sem querer,lembrou que hoje era o meio do meio do meio do ano... Meio-
dia,quinze de junho... Um estranho pensamento perpassou sua mente: Seria esse
o meio do meio do meio da sua vida? Será que,dali em diante,viveria
exatamente o mesmo tempo que vivera até aquele minuto?
Uma sensação vertiginosa apossou-se dela, como poderia o meio da sua vida ser
marcado por um dia tão insípido? Quando era mais jovem, lera Nietzsche.
Embora nunca tivesse gostado tanto daquele bigodudo recalcado, sua obsessão
pelo Grande Meio-Dia tinha ficado marcada no inconsciente. Em algum
lugarzinho escondido ela havia decidido: O meio dia de sua vida seria
lindo, se ao menos ela pudesse saber quando...
Invadida por um impalpável e urgente senso de dever,ela se apressou:
Precisava avisar ao marido que hoje seria o dia mais importante de sua vida
e que, se ele resolvesse reclamar, ela o deixaria falar às paredes e
celebraria sozinha.
Correria até o restaurante se preciso fosse,não podia perder nem um
minuto. Enquanto caminhava rápido, imaginava o dia: Podia pedir a tarde de
folga, alegaria uma indisposição qualquer. Se o marido estivesse bem
humorado, o convenceria a adiar o resto de afazeres para amanhã. Iriam juntos
pra casa, jogariam strip-pôquer, fariam certas coisas do jeito que faziam
quando eram adolescentes. Depois cozinhariam qualquer coisa,ela tocaria
piano pra ele,ele olharia para ela. Quando as cinco da tarde
viessem, buscariam o filho na escola. Iriam todos juntos andar de
bicicleta, depois alugariam um filme de Monty Python e pediriam pizza.
Comeriam a pizza direto da caixa assistindo ao filme. Pegariam um livro
qualquer e fariam vozes engraçadas pra divertir o filho,ficariam com ele até
que dormisse. Depois deitar-se-iam no jardim e beberiam vinho, falando sobre
coisas idiotas até ficar frio. Então ela o levaria pro quarto, ainda uma
vez, declararia seu amor. Ainda uma vez,o sexo seria inacreditavelmente
etéreo. De novo, tocaria violoncelo nua até que ele dormisse.
Depois, aninharia sua cabeça no seu peito e agradeceria por ter ainda outra
metade de vida.
Enquanto caminhava,cada vez mais rápido,ela se alegrava. O dia parecia
menos medíocre, as pessoas eram-lhe menos antipáticas. Estava incrivelmente
leve e queria muito beijar seu homem.
Começou a correr, em duas quadras chegaria ao restaurante. Já podia
divisar o carro cinzento de seu marido. O dia seria lindo sim! Já o era!
Correu mais rápido, no fim da próxima quadra já enxergaria o esposo.
Lá estava ele,sem entender por que sua mulher corria tanto.
Lá estava ela,atravessando a rua.
Sentia-se prenhe de vida,invulnerável.
Em um instante absurdo,ela vacilou. E se não fosse, afinal,o meio-dia de
sua vida? Nesse fragmento impreciso, seu tornozelo esquerdo se decidiu a
ficar no lugar. Seu corpo queria encontrar o corpo do homem perplexo que a
encarava com um meio sorriso. O tornozelo ficou,o corpo foi.
Ela torceu o pé.
O sinal abriu.
Ela caiu.
Um carro passou.
Ele gritou.
Seu coração parou de bater.
Seu corpo abortou a vida incipiente.

Letícia

Passeando entre prédios antigos e árvores verdes, uma menina de roxo parecia adormecida. Suas botas escuras pisavam de leve o chão, apenas o suficiente para a gravidade cumprir suas leis e não deixar a garota flutuar.
Seus olhos, castanhos e sonolentamente brilhantes, não passavam de olhos. A menina os usava como todos usam. Eles lhe mostravam o mundo. Com eles, a jovem de longos cabelos negros enxergava o sol, o céu, os prédios, as árvores, as coisas. Mas o que ela gostava, mesmo, era de virá-los para as pessoas. Todas as pessoas: as bonitas e as feias, as brilhantes e as patéticas. E ela olhava-as com fome, fome de detalhes, expressões, trejeitos, sorrisos, passos, conversas. Vasculhava tudo o que podia ver e inventava o resto.
A jovem de roxo, então, chegou ao seu destino: um café com grandes janelas. Inefável, sentou-se e quis um chá de ervas. Precisava ocupar suas mãos. Mãos bonitas, unhas pintadas, mãos como quaisquer outras.
Na pequena eternidade entre o pedido e a entrega, a jovem usou seus olhos e sua mente. Através da janelona, via os passantes. Cada uma daquelas pessoas era um universo inteiro! Enxergava um homem velho e barrigudo, de olhos muito verdes e ruguinhas nos cantos da boca. Ela percebeu que ele caminhava com passos curtos e rápidos e olhava para baixo. Sua expressão - maquinou a menina, parecia triste e desesperançosa. Teria aquele senhor sido um jovem belo e galanteador? Sim, ela decidiu, ele fora um rapaz bonito e romântico, apaixonara-se um milhão de vezes e tivera as mulheres aos seus pés. Que juventude! Quantos risos, quantos beijos! Entretanto, pobre homem, Ele não soubera envelhecer. Quando os anos chegaram, as mulheres rarearam e as gorduras cresceram, o charmoso galã se tornou um velho amargo, ressentido e carrancudo... O senhor, ao chegar à esquina, esbarrou em um grupo de adolescentes coradas. Ele esbravejou e saiu da visão da menina do Café. Agora, os olhos dela observavam o grupo de adolescentes. Todas muito iguais, cabelos louros, barrigas de fora, calças de ginástica. Exceto uma, a mais loura. Enquanto as outras riam e falavam, ela também ria. Mas seu olhar parecia tão distante. Quando todas assumiam expressões acéfalas no silêncio, ela parecia pensar. Ponderaria sobre sua vida? Sim, ela era diferente das outras. Mas por quê? Sempre quisera ser igual a todas, ter amigos e um namorado bonito... Enquanto as meninas devoravam, se, piedade, um pacote de bolachas recheadas de chocolate, a menina louríssima as escondia, furtiva, na bolsa. Não comera nenhuma. Sua magreza gritava, ossos dos quadris à mostra e braços finíssimos. Ela não tivera escolha, percebeu a jovem de cabelos negros, precisara parar de comer para se incluir. Para que pudesse se sentir querida e feliz. As garotas iguais entraram em uma loja e foram observadas por um rapaz de cabelos longos. Ele, ladrão da atenção da menina de roxo, tinha o rosto bonito e descontraído. Seus olhos pretos e seus lábios finos sorriam enquanto seus braços carregavam um buquê de flores muito roxas. Esse, sim, parecia feliz. Apaixonara-se pela primeira vez e era correspondido. Sorria para as antecipações do encontro com a namorada e para as lembranças das conversas de ontem. As flores gritantemente violetas a agradariam. Ela era a melhor coisa que acontecera na sua vida, e ele quase duvidava de tanta sorte. Correu ao atravessar a rua e entrou no Café onde a garota de olhos sonolentos ainda esperava pelo chá. Ela, embalada por seus delírios, tentou cumprimentar o rapaz do buquê de flores, mas ele a ignorou.
Os olhos dela se viraram para a mesa, para o teto e para o balcão. Subitamente, todos os detalhes que sorvera daquelas pessoas pareceram inúteis. Tudo pareceu mortalmente vão e sem significado. Aquelas pessoas, cujas vidas se cruzaram por breves instantes, eram todas tão invulneravelmente solitárias! Presas em si mesmas, pensando sempre nas mesmas coisas, lidando com as suas rotinas. Todos sozinhos, toda humanidade consistia nesses fragmentos! Vivendo vidas inteiras, plenas de significados, vidas não notadas. Em silêncio. Ilhas, muitas ilhas! A jovem sentia frio... Como unir as pessoas, se todas são universos? Nada poderiam ter em comum, se todos são irremediavelmente únicos!
E ela não entendia o que fazer com tantos detalhes que olhava tantas particularidades... Pra que servia isso? As pessoas solitárias e cheias de cores, indescritíveis cores e vidas. Ela precisava de um modo, de um jeito de mostrar à esses universos toda a beleza que se encerra em cada relance de seus dias.
Mas como poderia ela, uma simples menina de roxo, fazer isso?
Seus devaneios foram interrompidos pela chegada do pedido. Uma mulher de meia-idade, uniforme muito rosa, antipaticamente dispôs a xícara de cerâmica com a aromática bebida, um açucareiro de metal e uma colher na mesa da jovem de cabelos negros. Largou a conta e deu as costas à moça, resmungando qualquer impropério.
Novamente perdida em considerações, a jovem deixou suas bonitas mãos alçarem a xícara de chá. Acompanhando o tumulto da mente, os dedos da menina tremiam e oscilavam.
Ela respirou profundamente, seus olhos estavam pastando em uma árvore. O mundo todo se tornou etéreo por um instante, a gravidade pareceu uma invenção maluca quando a garota sentiu sua xícara flutuar. Abismada, ela olhou para suas mãos. A xícara, que habitou ali por alguns minutos trêmulos, caía. Lentamente, durante uma imensidão absurda de tempo, o chá deixou o recipiente delicado e foi se espalhar no chão, molhar as botas da menina. Ela viu, quadro a quadro, a xícara dançar, virar, dar cambalhotas no ar, até o trágico momento da desintegração, dos estilhaços de porcelanas por todos os lados quando a gravidade ela alcançou.
O barulho de porcelana se quebrando demorou a ser assimilado pela menina, enquanto ela jogava as mãos aos cacos. Quis reuni-los, já que não podia colas as pessoas...
Quando ela olhou para a mão direita e notou o corte.
E o sangue, muito vermelho, aflorando na palma da mão.
Então, aconteceu. Seus olhos perscrutadores viram suas mãos cheias de cor. Sua mente lembrou de todas aquelas pessoas, dos olhos muito verdes do senhor barrigudo e dos cabelos muito amarelos da moça anorexia, das flores muito roxas do jovem cabeludo, do uniforme muito rosa da mulher antipática. Seus detalhes, verdadeiros ou imaginados, não passariam despercebidos. Ela os enxergaria, os inventaria, os ouviria. Ela tentaria decifra-los e recodifica-los em palavras... E as palavras, apesar de pobres em vista das cores, não seriam sua única ferramenta. Ela os desenharia, encheria de cores inventadas e inusitadas suas reminiscências. Seus olhos os devorariam, sua mente os recriaria e suas mãos os eternizariam com os detalhes de breves momentos, fotografias rápidas de vidas inteiras.
Afinal, podia ver claramente agora: ela sempre fora uma escritora. Uma artista. Uma aspirante a construtora de pontes entre arquipélagos.

A Aliança de Noivado

No início de dezembro Ester decidiu que seria pedida em casamento... e em breve,pois acreditava que as festas de fim de ano trariam ótimos agouros a um compromisso mais sério. Além disso, seria a época perfeita para uma pequena celebração,só para as famílias e aqueles amigos mais próximos...todos já estariam na cidade de qualquer forma para as tradicionais celebrações de Natal e Ano Novo. O casamento só aconteceria anos a frente, óbvio,já que os dois estavam no primeiro ano da universidade e,além de todas as dificuldades enfrentas de ordinário por um casal, ainda viviam em cidades diferentes. Mas o noivado aconteceria, sim, claro! Ela o amava com todas as forças,pensava nele o tempo todo e sofria com atrozes saudades durante a maior parte do ano. E ele a amava também,e muito,do seu jeito menos explosivo,mais contido e muito profundo...nem todos são tempestuosos como Ester! E, se Vicente fosse assim, o relacionamento estaria condenado aos sete meses de limite entre dois iguais.
Ela o esperou voltar pra casa com mil idéias e planos, estratégias amorosas para convencer Vicente a ter a brihante idéia de oferecer a ela, sua amada namorada de anos e distâncias, uma aliança de noivado. Passearia com ele na frente de joalherias, apontaria a vários anéis e diria preferir aquelas alianças de ouro, tão lindas e que, olha só!, ficam tão bonitas na sua mão! Pesquisaria, irritante e insistentemente, sobre o assunto na Internet... A história das cerimônias de noivado, em que mão usar as alianças, que tipo de material escolher, modelos, preços e parcelamento, gravação dos nomes e data, tamanho dos dedos, significados e significantes. Faria planos em voz alta, diria todas as suas fantasias de pombinha enamorada, perderia o medo de ser mal compreendida...afinal, ele a amava ou o quê? Então, nada mais natural do que um pedido, mil beijos, mil planos... Isso adoçaria a distância e daria a todos a medida certa do relacionamento. Afinal, eles não eram um casalzinho qualquer, que se ama pra sempre durante umas semanas e, logo a seguir, termina tudo por causa de alguém novo, ou porque quer voltar a ficar com todas. Apesar de todas as previsões pessimistas dos amigos, Ester e Vicente já haviam superado dois anos morando longe. Isso já era maior do que a soma de todos os relacionamentos dos seus grupos de amizade. Apesar de todos os encorajamentos a terminar logo, todos os conselhos a parar de sofrer e de se iludir, todos os prognósticos negativos de quem deveria consolar, os dois permaneciam juntos, sempre, cada vez mais apaixonados e felizes. Enquanto as inseguranças enfraqueciam, a certeza de continuarem juntos fortalecia, mesmo que fosse muito difícil e triste o tempo passado em tal cruel separação geográfica... Por que ele não pediria?
Ele chegou... Depois do enlevo dos primeiros dias, de muitos carinhos e nenhuma preocupação outra que beijá-lo e abrir-lhe deliciosamente as pernas, Ester começou com suas sutilezas. Enquanto ele passava devotava atenção e carinho aos saudosos pais na sala, ela via alianças em lojas virtuais no quarto. Quando ele entrava no quarto, ela mostrava suas preferidas e perguntava o que ele achava. Quando andavam pela cidade, ela mostrava alianças o tempo todo. Assistindo a filmes? Olha só que legal a aliança dela! Entrando numa banca de revistas? Como estão lindos os modelos de aliança dessa revista de noivas! Iam a uma livraria? Nossa, quantos livros sobre casamento!
Quando viam amigos, ela sempre comentava, em meia-voz, sobre a efemeridade de seus namoros. Agigantava seu relacionamento e tentava de todas as formas fazer com que ele percebesse, seria tão difícil?, que seu relacionamento era muito mais do que um namoro de adolescentes! Queria que ele visse como eram imensos seus sentimentos, maiores que todos! E que o noivado só corroboraria o já existente entre eles... As alianças seriam somente o ícone, o símbolo... Afinal, vivemos ou não em um mundo primordialmente simbolizado? Não, Ester não se precipitava! Ester respirava Vicente, Ester vivia Vicente o tempo inteiro! Ester o amava mais do que amava a si mesma. Decidira colocá-lo em primeiro lugar em relação a tudo e nunca pedira nada em troca. Durante os malditos dias de indecisão de Vicente, logo antes de deixar a cidade, quando ele não sabia se queria ou não romper o relacionamento, Ester se manteve firme. Chorosa, mas firme. Mesmo quando ele admitia amá-la menos do que ela o amava, Ester procurou compreender e não se desesperou. Ela sempre soube. Sempre sempre sempre! Eles ficariam juntos, como não? Era pra ser dessa forma e não de outra. Ele demorou quase dois anos pra perceber o que estava pintado em todos os muros, o que era cantado em todas as canções: Ester era sua mulher! Ester, só Ester! Ela viu logo,mas tinha medo de dizer. Esperava por ele, temeu que ele nunca enxergasse o óbvio... Mas ele viu. Ninguém sabe como. Mas como não ver? Ela merecia ser uma noiva, não a namoradinha. Queria que todos soubessem ser ela a futura esposa. Sim, dá certo. Tão certo que se casariam. Tão certo...
Ela sentia que ele tentaria enganá-la, desviá-la... Fazer com que ela se desiludisse, não esperasse mais pela proposta. Afinal, ele sabia o tamanho de seu anular direito... Queria crer que ele tentaria surpreendê-la. E isso seria tão adorável! Ester, enlanguescida, o questionava sobre seu presente de Natal. Dava mil sugestões, indiretas, diretas, muxoxos e pequenas armadilhas apaixonadas. Fazia caras mimosas, sorria de maneira adorável, choramingava e fazia beicinho. Fingia de indiferente, dizia querer ganhar o que quer que ele desse. Dissimulava. Olhares oblíquos. Não tocava no assunto. Tudo de verdade. Emoções contraditórias eram perfeitamente normais em uma mulher-menina-mantícora. Mas Ester acreditava no amor de Vicente e nessa prova suprema, mística, mítica, romântica, o melhor presente do mundo é uma vida inteira com ele! Ele havia de pedi-la, sim, claro!
Mas Vicente desconversava, olhava pra outro lado, se entediava. Saía, sorria, andava. Tentava evitar o tópico onipresente. Parecia achar precipitado. Dizia-lhe que um dia ela teria uma aliança de ouro amarelo. Jurava e repisava todas as promessas de vida e amor infinitos. Prometia-lhe fidelidade, sim, lealdade, sim, uma casa bonita com filhos eventuais e uma cadela labrador. Ele a deixaria ter uma gata, uma cabra e uma macieira. Também todos os livros. Cafeteira. Decoração. Uma vida saudável e muito feliz. Não é isso o que realmente importa?
Diante de todas essas demonstrações de amor, Ester se sentia ridícula por querer uma aliança e um título idiota, mas logo raciocinava... Se ele a ama tanto assim e realmente quer toda essa vida de cerquinha branca, então faz sentido que ele a peça em casamento! É maduro e razoável... é o que ela mais quero no mundo e o que vai fazê-la mais feliz na história do universo! Depois de minutos de desconfiança, rapidamente Ester recobrava o ânimo e a esperança. Sabia de seu amor. Ele a pediria no Natal!
Muito confiante, ela insinuou que queria flores – ele nunca lhe dera flores! – e bombons – um pedido tradicional requer também chocolates – junto ao pedido. Quase segura de si, ela quase disse qual a aliança perfeita. Só pra ter certeza, ela fez com que ele se lembrasse do tamanho do seu dedo – É o número doze, ou o tamanho do teu mindinho!
Dias de doce enlevo embalaram os dois. Apaixonados como nunca, planejavam o futuro, passeavam, ficavam a re-re-re-re-re-re-re-re-re-re-re-re-redescobrir-se os corpos, vultos insinuados entre os lençóis e as águas da piscina, gozos fervorosos e muitas porras jogadas fora dentro dos recipientes vulcanizados dentro das embalagens, beijinhos e abraços, pequenas declarações de amor.
Então chegou o Natal. Presentes bonitos e queridos abraços, muitas calorias ingeridas em fartas mesas. Celebrações. Feriado.
Ester estava indócil.
Vicente estava satisfeito. Feliz consigo mesmo, ela iria adorar o presente! Resolveu entregar-lhe antes da ceia... Então agora. Chegou-se a ela, o embrulho era enorme!, ela riu-se contrafeita, mas por que tanto?, ele beijou-lhe a fronte, mas por que tremes?, ela pegou o embrulho, é pra mim?, ele fez uma careta, pra quem mais seria?, ela olhou o papel verde, é pra abrir agora?, ele deu de ombros, só se tu quiseres... , ela olhou ao redor, então abro, ele beijou-lhe os lábios, Feliz Natal!, ela sorriu, Feliz Natal.
Suas mãozinhas brancas mergulharam no embrulho verde ouro. Não sabia mais o que era embrulho e o que era mão. Encheu o papel de vida e a vida de celulose. Como não conseguisse desprender a fita adesiva, rasgou. Seus olhos, ávidos, encheram-se de água. O mundo dançou, oscilou. Um universo submarino. Peixes com feições humanas no meio do turbilhão. Tudo era verde. Nada era vivo. O papel se rasgou e revelou papel manteiga. Um cheiro conhecido entrou em seu cérebro, Ester lembrou da loja de seu avô. Atropelando-se, jogou o papel manteiga pra longe e viu... Uma grande bolsa de couro marrom cheia de tachinhas dourovelhadas. Adorara essa bolsa! Era tudo do que pudera falar durante meses. Ela agora só poderia ser um pretexto, um outro embrulho, um disfarce pro presente de verdade. Sem entender direito, sem fazer muito sentido, Ester abriu a bolsa. Encontrou um saco plástico cheio de ar. Regurgitando-se, estourou o saco e enfiou a alma dentro da linda bolsa, procurava pelo amor dentro de uma caixinha de veludo. Abriu e fechou os lábios, vasculhou as memórias, Se eu fosse uma aliança de noivado brincando de esconder dentro de uma bolsa de couro das lojas Marisas aonde eu estaria agora? Ah, Deus, qual a cor do veludo? Cadê, meu amor, cadê? Bolsa de cabeça pra baixo, leve insanidade na risada dos bolsos abertos... Mas tu não me amaaaaaas?????
Ester não encontrou uma caixinha de veludo dentro da bolsa. No auge do desespero, não percebeu que algo caíra. Ela desmaiou, febril. Engasgou uns solfejos e parou de pensar, logo parou de existir. Se apagou a chama tão logo o ar cessou.
E o que tinha dentro da bolsa?
Uma trufa de chocolate com recheio de café.
E dentro da trufa?
Uma aliança de ouro amarelo com um filete de ouro branco, dezoito quilates, com nome gravado e data marcada.

O Livro Perdido

Não posso me esquecer da primeira vez que me leram. Mãos ávidas me reviraram, fizeram-me voltar e adiantar. Lembro bem, foi uma moça de uns quinze anos. Tinha as unhas pintadas de escuro e os olhos claros vidrados nas minhas palavras. Confesso, meio a contragosto, não acreditava que fossem amar a história que fui feito para contar. Eu mesmo a achava monótona, prolixa, inconsistente. Personagens impossíveis, diálogos super-elaborados.
Mas a menina me amou. Sorveu-me, letra a letra. Os olhos encheram-se de lágrimas, o rosto arredondado e pálido ficou marcado do preto da maquiagem. A boca riu, também, e as mãos tremeram várias vezes. A menina me carregava consigo para todo lugar que ia: na escola, me discutia com os colegas; nos jardins, relia trechos e suspirava para as flores; no cinema, me tirava da bolsa enquanto o filme não começava; no ponto de ônibus, adorava folhear-me e, dentro do ônibus, perdia a parada. Ela me amou, ela amou a história que eu contei.
Mas logo me acabou. E, na última página, senti medo de ser fechado para sempre. Ela foi bondosa, deu-se alguns instantes para simplesmente contemplar-me. Novamente folheou-me, cheirou-me, abraçou-me e acariciou-me a capa.
Fui guardado na mochila naquela noite. Lá, ao lado de outros livros e cadernos, fiquei triste. E se aquela moça era abençoada? E se só ela pudesse me amar e compreender? Afinal, esse autor gostava de uma historinha rebuscada, hein?
No dia seguinte, a menina me tirou da sua mochila. Pelo sol, a manhã ia em meio. Suas mãos me deixaram no balcão da biblioteca, ela ria ao conversar com os amigos de escola. Ela me comentava, me indicava aos amigos, dizia que eu era maravilhoso. Enchi-me de esperança, mas também fiquei triste. Ela me deixaria para sempre... Suas mãozinhas, seus olhos claros. Suas emoções não mais justificariam a minha existência. E se os próximos leitores me maltratassem? Não me entendessem? Ou pior, só lessem as minhas orelhas e resolvessem que já me tivessem decifrado?
Não havia nada que pudesse fazer. Cabe ao livro contar outra história, nunca a sua. Pelas suas páginas passam os sentimentos, emoções e dúvidas de personagens alheias a si. Ele dá voz a outros, o discurso que profere nada tem a ver consigo. Nada tem a ver comigo. E suas mãos me entregaram às mãos da moça da biblioteca, mãos calejadas cujas unhas, curtas, eram pintadas de roxo. A bibliotecária abriu-me, passou um instrumento em mim, o tal instrumento fez um agudo “Bip” e senti a minha primeira leitora me deixar.
A bibliotecária estava prestes a me largar na estante quando voltou. Novamente me abriu e passou o mesmo instrumento em mim. Falou algumas coisas a um rapaz, ele tomou-me em suas mãos pequenas e me colocou em sua mochila. Julguei reconhecer a voz dele ao se despedir da bibliotecária, pensei ser um dos amigos da minha primeira leitora.
Passei uns dois dias fechado em sua mochila, só via a luz do dia quando o menino tirava os cadernos e estojos... Certamente fazia as lições de casa, não tinha tempo para ler-me. Mas então, por que me retirara da biblioteca? Quando comecei a pensar em grudar as minhas páginas e impedir a leitura do jovem, ele abriu a mochila de novo. Se eu tivesse um coração pulsante, ele me denunciaria... Mas não precisei plagiar Allan Poe, o menino abrira a mochila para buscar-me.
Parecia impossível! Teria dois leitores em menos de uma semana? Será que o meu texto era assim interessante? Esse menino de mãos pequenas me folheou desinteressadamente, leu-me as orelhas com um ar de desdém, leu algumas palavras aleatórias na minha última página e atirou-me à cômoda. Senti-me ultrajado! Meu texto podia ser prolixo e mal construído, mas ele não descobriria esses defeitos com tamanha má-vontade ao folhear-me! O menino de olhos escuros, expressão sarcástica e cabelos cheios de gel não se deu ao trabalho sequer de ler meu prefácio! Como poderia desdenhar-me sem nem tentar conhecer-me? Odiei seu quarto, o cheiro estranho de sua casa, seus livros idiotas de jogos de interpretação de papéis e bobagens do tipo. Quis que seu gel acabasse quando fosse se arrumar para ver a namorada, quis que seu nariz quebrado infeccionasse e ele não pudesse respirar! Se ele mostrou tamanho desrespeito por mim, como tratará as pessoas ao seu redor? Um menininho inferior, diria, se perguntassem minha opinião. Espírito baixo.
Tão diferente da menina que me tivera antes... Tão cuidadosa, tão interessada!
E ele me deixou sobre a escrivaninha por dias, na época de retornar à biblioteca já sentia uma camada de pó em cima da minha capa. Em uma manhã chuvosa, o jovem tomou-me nas mãos e atirou-me, de qualquer jeito, sem qualquer consideração pelos meus sentimentos!, ao interior da sua mochila escura. Lá dentro encontrei os chatos livros de jogos e me aborreci. Queria desesperadamente voltar à biblioteca, talvez algum leitor melhor me pegasse para ler...
Vi a luz de novo quando ele abriu a mochila. Junto com a luz, ouvi umas vozes familiares e adivinhei a biblioteca da escola. As mãos pequenas do leitor obtuso me deixaram no balcão e se foram. Se tivesse boca e olhos, meu semblante estaria sorridente. Abriram-me, passaram o aparelhinho em mim e me levaram de volta à minha estante. Foi um alívio inominável, só então percebi o quanto o leitor inconseqüente era falador! Não calava nunca a boca, e o problema maior era não ter nada de útil para dizer.
Minha estante era a quinta de cinco, ficava no meio de três fileiras. Logo, eu podia ver os jardins da escola todos os dias. Sentia a luz e o calor do sol diretamente sobre minha lombada, minhas páginas sofriam um pouco com a umidade do inverno. Ouvia a algazarra das 10 da manhã e do meio dia... A tarde era sempre agitada, especialmente à uma, às quinze pras quatro e às seis. Nesses intervalos, havia filas na biblioteca. Eu nunca sabia se queria ser retirado ou não. Certamente a menina dos olhos pintados freqüentava a biblioteca sempre. Tal interesse, tal empolgação deviam ser fruto de constante leitura. Se pudesse suspirar, eu suspiraria... Sentia-me frustrado, meu objetivo na vida é contar uma história... Mas tinha medo de ser desdenhado novamente. E, nesses intervalos, minutos de correria, as bibliotecárias vinham às estantes e conferiam os números nas nossas lombadas com os números que tinham anotados em pedacinhos de papel. Tiravam livros, traziam livros... Eu suaria, se pudesse, com tanta angústia e ansiedade. Passos apressados, iriam os olhos das mulheres daquela biblioteca escolar se fixar nos números da minha lombada? Suas mãos me retirariam do ostracismo? Algum jovem descolaria minhas páginas? Durante as noites, adoraria ser retirado. Fazia frio naquela biblioteca e, às dez horas, as bibliotecárias fechavam as cortinas, apagavam as luzes e todos os barulhos familiares cessavam. Queria, sim, ser lido.
Mas ainda tive de esperar um tempo até que fosse escolhido por alguém. Mas fui escolhido, ao menos. Em uma manhã preguiçosa, em um horário diferente das algazarras, a bibliotecária veio. Ouvi seus passos, mas ignorei. Devo confessar que me havia habituado à calmaria da biblioteca. Quando dei por mim, ela estava comigo em seus braços! Fui aberto, registrado pelo tal aparelho e entregue às mãos descuidadas e compridas de uma menina. Esperei ser enfiado em uma mochila, mas ela me carregou embaixo do braço. Desceu as escadas e encontrou outras vozes, deviam ser colegas. Uma outra mão, pequena e de menino, me pegou. Ele deve ter me examinado, falou algumas coisas e devolveu o livro à menina das mãos feias. Julguei ter reconhecido alguma menção a minha primeira leitora, mas não dei importância. Voltaram à sala de aulas e me esqueceram em cima de uma classe.
Sol alto, vi a rua de novo. Senti o sol sobre minha capa, uma brisa entre as minhas páginas. As vozes conversavam, a menina que me tinha sob o braço parecia muito divertida pelas palavras do menino que me examinara e dos outros que a acompanhavam. Ria descontroladamente, se abaixava, perdia o fôlego e me derrubava. Não sabia como julga-la, seria uma tola? Uma ingênua? Talvez fosse meio maluca, talvez estivesse tentando ser aceita pelo grupo de adolescentes com o qual caminhava. Alguns minutos depois de deixarmos a escola, ela se despediu com muitas gargalhadas dos amigos. Correu, abriu uma porta e a escuridão caiu sobre mim. Subiu uma longa e íngreme escadaria, entrou em um apartamento e me deixou sobre um sofá.
E ali fiquei, esquecido, pelo resto do dia. A menina sentou-se ao meu lado, comeu doce, tomou leite, saiu, voltou, conversou com uma mulher que, pelo jeito, era sua mãe. À noite, depois do jantar, me tomou nos braços e levou-me a seu quarto. Resolveu ler-me, confesso que já perdia as esperanças. Tinha o rosto branco e normal, não era feia nem bonita. Olhos pretos, muito profundos, cabelos meio vermelhos da metade às pontas, castanhos das raízes a metade, aspecto seco. A menina me pareceu desleixada, mas quem se importa com aparência? Leu algumas páginas e se aborreceu. Largou-me sobre a cama e foi sentar-se ao computador. Passei um mês assim, a menina me pegava, lia um pouco e ia fazer outra coisa. Parecia se interessar mais pelo vôo de uma mosca do que pela trama desenrolada em minhas páginas. Acho que a pobre menina das unhas feias não pôde compreender-me, achou-me aborrecido porque tinha preguiça de buscar o dicionário. Então, não poderia ser diferente...
Depois desse mês, ela tomou-me nos braços finos e levou-me de volta à biblioteca escolar. Chovia nesse dia, a propósito do meu estado de espírito. Aborreci-me com essa leitora, mas não a desprezei. Talvez, um dia, ela possa tentar ler-me novamente e me compreenda. Tomara!
Voltei à minha estante com prazer. Não gostei muito da casa da leitora descuidada, era tudo muito úmido e levemente mofado. Tive medo de molhar-me em dias de chuva, quando ela me esquecia na janela aberta. Não foi o caso. Quando a bibliotecária me deixou em meu lugar na estante, comecei a pensar. Talvez meu destino fosse ser compreendido por poucos, quem sabe meu autor fosse alguém à frente de seu tempo? A menina dos olhos claros devia ser uma leitora à frente de seu tempo também... Queria ter sido comprado por ela, ou alguém como ela... Mas a vida em uma biblioteca é gratificante... Eu acho. Essa função, levar a literatura a esses estudantes alienados e analfabetos funcionais, é extremamente nobre. Mas esses estudantes não freqüentam a biblioteca... E, quando o fazem, é no desespero das provas finais... Eles nunca procurariam por mim. Mas ainda tinha esperanças, um dia teria um leitor como a menina dos olhos claros. Alguém que me compreendesse...
Mas fiquei um bom tempo esperando por algum leitor novo. Depois do primeiro mês na estante, me tornei menos exigente. Resolvi matar minhas esperanças, afinal, dizia um bigodudo, elas são o pior dos males. Qualquer um, por favor!!! Minha estória mal-elaborada e cheia de presunções estilísticas merece ser lida por alguém... Meu objetivo como membro de uma biblioteca escolar era tão nobre, mas jamais poderia ser alcançado sem os leitores... Não importava quão ignorantes, quão bitolados, quão obsessivos pela aparência eles fossem... Aceitaria homossexuais mal resolvidos, punks de boutique, esquizofrênicos, meninas com distúrbios alimentares, patricinhas à beira de um ataque de nervos! Contanto que completassem a leitura, conhecessem todos os personagens, acompanhassem o clímax e o desfecho. Sim, confesso, estava desesperado! Vi livros muito mais maçantes do que eu sendo retirados e devolvidos freneticamente, com listas de espera e bobagens do estilo. Acompanhei fenômenos editoriais fúteis, febres sugeridas pela mídia. Todos, todos inferiores a mim. Autores de um único sucesso, gente que não vai mudar o panorama da literatura mundial - como fez o meu autor -, eram requisitados como camisinhas no carnaval! Senti-me injustiçado e tive de esperar por meses...
Mas lembraram de mim... Já havia esquecido da sensação do toque humano na minha capa, como era ter minhas páginas reviradas por mãos e minhas palavras escrutinadas por olhos quando a conheci. A bibliotecária me buscou e entregou a uma menina muito peculiar. Ela tinha as unhas pintadas de verde, mãos bonitas. Colocou-me na mochila e a senti caminhar pela escola. Fazia frio. Perdido em palavras, nem percebi quando chegamos a sua casa. Logo ela abriu a mochila, me pegou, foi para a cozinha e preparou um café. Minutos depois, me abriu. Vi seu rosto grande, de formas inusitadas... Era quadrado, seus olhos eram bonitos, claros, lábios finos, nariz arredondado. Mas o impressionante eram os cabelos: um vermelho impossível, quase rosa, fulgurava na quase penumbra do quarto. Certamente a menina dos cabelos de cereja não nascera com tais melenas, mas a cor combinava perfeitamente com ela. E ela me leu! Enquanto bebia café, minhas páginas ficaram um pouquinho manchadas – mas nem me importei! -, me escrutinava. Essa menina me lembrou um pouco da minha primeira leitora, porém era menos... perfeita. Mas eu adorei os dias que passei em companhia da menina dos cabelos chocantes e, mais tarde descobri, voz ímpar. Ela me carregou por todos os lugares, eu conheci muitos amigos. Muito adorável, menina das unhas verdes, ela tocava o violino e namorava um guitarrista de longos caracóis. Ela me leu até o fim, talvez menos perdida nas minhas entrelinhas do que minha leitora ideal, mas prosseguiu entre minhas situações absurdas, meus personagens mal estruturados e minha trama descontrolada. E comeu sobre minhas páginas, senti-me parte de sua vida naquela breve semana. Ela me cativou, aquela menina violinista amável e dos cabelos falsos mais verossímeis dos quais já tive notícia.
Mas a felicidade de um bom leitor é efêmera... Logo fui devolvido à minha estante pela bibliotecária das mãos calejadas e unhas roxas. Mas tinha outra memória feliz para os dias solitários! E, de acordo com meus “cálculos” (livros de literatura não são muito confiáveis no que concerne aos números), seria muitos dias solitários. As férias chegavam... E eu não tinha qualquer esperança de ser retirado por alguém, nunca havia sido! Resignei-me à minha pequenez e comecei a me preparar para um inverno rigoroso e úmido.
Entretanto, qual não seria minha surpresa ao ser requisitado por um aluno no último dia de aulas! Sim, alguém quis me levar para casa e me decifrar com calma, durante um inverno inteiro. Que orgulho! Fui entregue a um jovem alto, corpulento, de mãos grandes. Enfiou-me em uma mochila estranha – um garfo fazia as vezes de chaveiro no zíper! – com pressa, correu escadas abaixo e saiu daquela biblioteca... Senti que era a minha última vez naquele prédio, se pudesse dar uma última olhadinha teria certeza de que sim. A mochila, por dentro, tinha toda sorte de bizarrices: velas de aniversário, lixas, uma pequena frigideira, talheres de plástico, um joão-bobo e, pasmem, um gato! Sim, havia dentro da mochila daquele jovem um felino doméstico! O animal dormitava enquanto o jovem parecia correr mais e mais. Não conseguia entender nada, estava perdido e com medo das unhas daquele animalzinho.
Quando o rapaz abriu a mochila, à noite, tomou-me nas mãos grandes de unhas descascadas e leu-me em poucas horas. Não soube como sentir-me, lisonjeado ou ludibriado: Como aquele jovem, por mais inteligente que seus olhos azuis bonitos e lábios imensos dissimulassem, poderia me entender em uma leitura dinâmica de três horas? Minutos depois de me largar sobre a mesinha de cabeceira, me pegou e, com uma lapiseira colorida escreveu coisas em algumas páginas minhas. Se eu fosse uma donzela... Talvez o tivesse deixado de ser naquele momento. Escreveram nas minhas páginas! Nada de acordo com minha trama escalafobética, imagino – o menino estilizou as palavras “Hot Shit” -, mas alguém me achou merecedor de palavras na borda do texto! Aquilo não parecia ser fácil em tais dias de novelinhas vespertinas adolescentes, entretanto eu o tive.
Vivi em tal estado de serena alegria e constante regozijo acadêmico durante dois dias. O idiossincrático rapaz pegou-me, enfiou-me na mochila bizarra e saiu. Naquela ocasião, o gato não estava lá – o que fazia a tal mochila bem mais acolhedora e ordinária – e os garfos estavam ensacados. Mal tive tempo de observar as outras coisas esquisitas que habitavam o interior daquela parada quando fui retirado de lá. O menino me entregava às mãos de outro rapaz, gesticulava e ria. Pareceu-me ansioso. O outro jovem me examinou com um olhar desprovido de emoção, como se procurasse defeitos em minhas páginas, capa e lombada. Nunca me havia sentido daquela forma, envergonhado e enojado. Fechou-me e, enquanto eu imaginava voltar às mãos descascadas do leitor afobado, largou-me sobre uma escrivaninha abarrotada de livros velhos e poeirentos, abriu uma gaveta e retirou dinheiro. Incrédulo, observei o menino escrutinador entregar a quantia – magra, por sinal – ao menino da mochila de gatos e apertar-lhe a mão suja. Não podia acreditar, tinha sido trocado por um nada de dinheiro e passaria o resto dos meus dias em uma pocilga! Ácaros nojentos comer-me-iam as páginas e a vida! Perderia a razão de ser naquele antro seboso e poeirento, cheio de mofo e umidade!
O menino sem emoções me levou a uma estante fedida e me pôs lá, entre dois livros velhos e ictéricos. Submeti-me ao cruel destino: ser barganhado em um sebo. Ao contrário da felicidade dos compradores que freqüentam tal tipo de estabelecimento, os livros odeiam essa situação. É vergonhoso, ser descartado ou trocado por outra publicação triste. Somos como cães abandonados por donos inconseqüentes: por que então nos compraram? Se vão se livrar de nós assim que outras prioridades se revelarem a eles? Pessoas sem coração vendem-nos em sebos, digo e repito. Não me importa se é ótimo encontrar uma obra em bom estado por um preço baixo, o leitor não foi deixado em uma estante úmida e poeirenta, freqüentada por ácaros e traças. Ponham-se nos nossos lugares! Sentia nojo de tudo, queria ser devorado pelas traças logo. Para não sofrer com o descaso desses mercenários, ser desdenhado pelo turbilhão de leitores de ocasião, somente interessados em adquirir as publicações pedidas pelas comissões organizadoras dos vestibulares.
Pude observar uma quantidade imensa de jovens espinhentos, meninas falsas e fedidas, professores interessados em edições antigas de livros banais, gente tomando chimarrão e fumando maconha. Uma menina gordinha tentava vender um livro mais caro do que o avarento jovem sem emoções queria pagar, então ela apelava a decotes reveladores de seus descomunais seios; uma idosa dama de sociedade tratava a pocilga como biblioteca, emprestando livros e tomando emprestados quando bem entendia. Sentia muita falta da minha velha estante na biblioteca escolar... Estava pronto a me deteriorar ali, pois nenhum olhar passageiro se fixava em mim, não havia quem me tomasse nas mãos e lesse minha contracapa. Sentia-me cada vez mais velho, mais mofado...
Até o dia de sol da minha existência! Ou ao menos, foi o que desejei. Em uma manhã preguiçosa de terça-feira, muito parecida àquelas de meu tempo de biblioteca escolar, o tempo frio e seco me agradou por ser pouco propício à formação de mofo nas minhas pobres páginas coladas. Já estava acostumado ao meu triste fado, seria esquecido... Minhas frases, apagadas e manchadas. Entretanto, tivera uma leitora sincera e apaixonada, que é mais do que muitos livros puderam ter um dia... A lembrança da menina de grandes olhos azuis me acalentava, desejava vê-la, ser resgatado daquele antro! Sonhos e sóis e olhos azuis, luas e peles alvas... Não pude crer quando fui retirado da prateleira poeirenta pelas lindas mãozinhas da minha leitora adorada! Seria possível? Ela viera me resgatar!
Olhou-me com os grandes olhos azuis, desta vez iluminados por um irreverente azul, cintilante – diferente dos olhos pintados de preto que vira na minha outra eternidade -, o rosto mais fino, a expressão mais serena. Perguntou ao usurário quanto queria por mim, pagou e levou-me nos braços. Absurda felicidade. Não posso encontrar palavras para defini-la.
Ela me releria! Com o mesmo entusiasmo, atenção e amor!
Revi seu apartamento, seu quarto, sua gata, seus livros. Ela me abriu e me dissecou, olhos cirúrgicos, lapiseira na mão me sublinhando as palavras, circulando expressões e me escrevendo nas margens... Não conseguia tomar consciência de seus julgamentos, porém... O que poderia ser ruim? Essa menina me amara anos atrás, o que teria mudado?
Leu-me em uma tarde, circulou-me, sublinhou-me, enfatizou-me, assinalou-me, etiquetou-me, transcreveu-me, absorveu-me, fechou-me.
Mais tarde, ela voltou com outros livros, igualmente assinalados e etiquetados, e abriu-me nas páginas assinaladas pelas etiquetas coloridas. Comparou-me, contestou-me, refutou-me.
Cerrou-me e se foi. Na solidão feliz, resolvi tomar consciência das anotações da menina.
Letras garrafais berravam, expunham meus maiores temores: INVEROSSÍMIL! PERSONAGENS PLANOS E INCONSISTENTES! FALHAS NA TRAMA! DIÁLOGOS IMPOSSÍVEIS! FOCO NARRATIVO FALHO! DESCRIÇÕES DEMASIADO PROLIXAS! TRAMA ESTAPAFÚRDIA! RELAÇÃO ESPAÇO-TEMPO ANTIQUADA! Rotulou-me como livro mais INCONSISTENTE e ENTEDIANTE que já tivera o DESPRAZER de ler. Escreveu uma observação na minha última página: Aprendi que os leitores se refinam com o passar dos livros... Opiniões mudam, penso ter evoluído muito desde a primeira vez em que li este traste... Cinco anos fazem diferença.
E ela me descartou, como uma roupa que não serve mais.
Foi então que aprendi: Não existe um mundo das idéias. A minha leitora ideal é um brioche defeituoso no meio dos brioches defeituosos.


Em homenagem ao Dia do Livro...

Desculpem se não é o meu melhor trabalho...

Não é um conto :P

É só pra dizer que eu escrevo outras coisas, que meus personagens não são totalmente malucos, que nem todos acabam mortos e que eu não sou uma psicopata.

E eu estou bem cansada...

Vou dormir, mas antes deixo-lhes com a Katie ^^



Beijos a todos, e coisas...

=**

Insomnie

Em uma manhã cinzenta, Grete acordou oprimida pelo peso dos cobertores sobre seu franzino corpo. Olhou pro lado, já devia ser tarde... Aquela sensação peculiar que tinha na cabeça, como se tivesse ficado leve, quando acordava atrasada... Mas não pode mexer o pescoço. Pensou em levar a mão até o rosto para afastar a franja dos olhos, mas não pôde lutar contra o peso do seu corpo. Mas por que tantas cobertas sobre ela? Não estava frio... Aliás, Grete sentia muito calor, suava até. Precisava descobrir o corpo, respirar. Por que não conseguia se mexer?

Ouviu um soluço abafado, por que sua mãe chorava? Tentou abrir a boca e articular palavras, mas nada parecia acontecer. Grete, assustada, tentou gritar. Seria uma daquelas situações em que não estava adormecida nem acordada, quando parecia absolutamente imóvel, entretanto semi-consciente, e simplesmente mexer um dedo lhe traria de volta ao mundo real? Concentrou todas as suas forças em mexer o dedo anelar direito. Podia sentir a leve pressão da aliança de noivado ao tentar mover o fino dedo de pianista, mas nada acontecia. Impaciência começou a aflorar na menina, mais soluços abafados...

O que estava acontecendo? Ela não conseguia mexer o dedo, não conseguia sequer suspirar... Essas experiências semi-oníricas nunca duravam tanto tempo, disso ela sabia. Desde menina Grete ficava presa entre o sonho e a vida, às vezes metaforicamente, às vezes não. No início, a menina, encantada pelo sobrenatural, se divertia com esses breves momentos incorpóreos. Conforme os anos passavam, a já não tão encantada jovem passou a temer essas situações. Ouvia gritos, tinha medo de morrer.

Grete concentrou-se, dessa vez iria mexer o dedo. Não conseguia enxergar nada, nem entrever as coisas. Continuava a escutar o choro da mãe, mas por que chorava? Novamente, o dedo não se moveu. Agora, Grete sentia a pressão da aliança crescer.

As cobertas pareciam mais pesadas, tão pesadas que a jovem não conseguia mais respirar direito. Sentia-se ofegante, exausta... Mas como? Dormira bem, como nunca dormira... Nenhum sonho a incomodou dessa vez, foi um simples vazio. Só assim ela podia, de fato, descansar.

Entretanto, como Grete já percebera, ela já não descansava mais. Longe disso, a moça estava banhada em suor e mal respirava... Tamanho era o esforço para mexer o dedo anelar direito. E o choro crescia, por que sua mãe gritava tanto?

Será que ela bebera na noite anterior? Será que essa seria uma daquelas horríveis manhãs de ressaca? Realmente, sempre que Grete exagerava, tinha dificuldades para acordar na manhã seguinte... E essa hipótese explicaria a ânsia de vômito que crescia nas entranhas da jovem ruiva.

Mas não explicava o pranto da mãe.

Depois de, ofegantemente, chegar a essa hipótese, Grete parou de respirar por alguns instantes. Durante esse lapso, o cérebro pouco oxigenado se iluminou. Em seguida, Grete começou a tremer.

Sua mãe gritou.

Uma vida inteira mal-dormida, uma vida inteira de olhos abertos. Soluços secos, olhos grandes, garganta áspera. Uma vida de choro contido em travesseiros, brigas explosivas e desamor. Mas ela amou, sim, e como! Mil beijos, mil abraços, mil sexos. E o príncipe encantado abriu a mão para lhe entregar a aliança de noivado perfeita! Data marcada, convites em papel cor de laranja. Ainda assim, lágrimas mudas no travesseiro depois do dia de amor e fanfarras... Mal-dormida, olhos abertos, garganta áspera. Brigas com o noivo querido, choro alto de manhã, nada de sono à noite. Pensamentos afloraram, hipóteses se desenharam. Seu amor a apoiou sempre, levando-a a médicos caros e terapias bizarras. Ele a apoiou, como ele a amou. Mas, à noite, sonhos acordados no pesadelo do não-dormir, ouvindo-o ressonar e roncar e sonhar com ela ao seu lado, ela estava enlouquecendo. Temia os remédios, dependências. Tomá-los e dormir e pará-los e viver insone depois. Pensou no futuro, marido, filhos, cachorro. E tudo, tudo seria pela metade. Porque nunca poderia adormecer. Péssima esposa, péssima mãe, péssima dona. Ela já era péssima noiva, péssima filha. Quis dormir, dormir de uma vez por todas, ressonar e sonhar. Sonharia com um futuro ao lado dele, beijando-o, abraçando-o, deixando-o dentro de si para sempre. Amor, amor. Ela não poderia destruir esse amor. Tudo se perderia se ela não pudesse dormir. Doutor caro e egocêntrico, eu tenho problemas com minha família e não consigo mais dormir. Por favor, me dá remédios, amanhã é o meu casamento e eu não quero entrar na igreja com olheiras. Farmácia, receita, dinheiro, liberdade. Finalmente, dormir e dormir! A menina ruiva beijou o noivo e foi passar a noite na casa da mãe. Seu pequeno quarto rosa de criança, colcha de retalhos da tia-avó, travesseiro de penas de ganso. Jantou com a mãe, gritinhos e risos. Subiu com uma xícara de chá de capim-limão e um olhar carinhoso de sua mãe. Provou o vestido de noiva e chorou algumas lágrimas, pensou nele e em como o queria protegido. Pijama escolhido: camisola cheia de babados. Banho quente, shampoo de lavanda. Pantufas de coelhinho. À beira da cama, paz antecipada, frascos esvaziados na garganta rosada da ruivinha. Quentinha na cama, chá de cidreira, o amor é tanto, tanto! Dieu réunit ceux qui s’aiment, sono, sono. Paz, paz, paz...


Salada de Peixe

Saindo do Café, Eva pensou que teria tempo de preparar o almoço com calma. Sorriu a esse pensamento e pôs toda sua criatividade a serviço de um cardápio decente.

O sol das onze da manhã de um dia em princípios de outubro, o ar úmido e as nuvens pesadas sugeriam um típico dia primaveril. Eva colocou os óculos escuros e em seguida retirou-os, em um movimento quase submarino, uma sereia. Desfez o laço do lenço de seda azul que envolvia seu pescoço, abriu os botões do casaco de lã e sentiu o cheiro úmido de um meio-dia que prometia ser delicioso.

Andando envolta em propostas de almoço, entrou na floricultura pensando ser fruteira. Para que a atendente não percebesse o engano, comprou um pequeno buquê de margaridas amarelas.

“Elas enfeitarão a mesa do almoço!” suspirou, ao pagar pelas flores.

Com as margaridas no braço esquerdo, Eva resolveu preparar algo com morangos, frutas da estação. Uma torta? Sorvete? Mousse? Salada? Embriagada por um dia cheio de possibilidades diferentes de todos os outros dias, a mulher das margaridas cantarolava, sem perceber. Sentia-se jovem, forte, consciente de ser sua própria autora, personagem, intérprete. Dona de si mesma, tão confiante que poderia comer o que lhe aprouvesse naquela quarta-feira de outubro. As escolhas apareciam como flores, ao alcance de sua mão. E quaisquer que ela colhesse seriam as mais belas, mais perfumadas. E os frutos que ela colhesse certamente seriam os mais suculentos e maduros. A vida estava acontecendo ali, naquele instante, ao alcance de suas mãos! E tudo de que ela precisara para tomar posse disso havia sido a folga à tarde e as possibilidades para o almoço!

Decidiu-se por uma salada de peixe e torta suspiro de morangos. Tinha peixe limpo em casa, remanescências do jantar com seus pais... Precisava de tomates, morangos, leite fresco, ovos, farinha... uma felicidade inexplicável tomava conta da moça do lenço azul enquanto chegava ao mercado. Sentia os morangos, cheirava-os, comera um com tal delícia que espantara um menino efêmero. Eva colocava tanta alma na escolha dos morangos e dos tomates que um desavisado pensaria que ela mantinha relações pouco apropriadas com os frutos.

Depois de escolher com amor os frutos, Eva comprou o leite, os ovos e a farinha, um poço infeliz por não poder colocar sua alma e todo os seus sentidos nessa escolha...

Com uma aura de paz envolvendo-a, Eva pagou e se encaminhou a sua casa com as flores e as sacolas. Sorria como uma criança que acabara de tomar sorvete de baunilha e sentia o prazer antecipado de ter uma boa refeição, preparada com calma e carinho. Porque são os sentidos que determinam nosso amor.

Eva passou por uma bombonière e comprou alguns chocolates para presentear seu marido. Salada de peixe era seu prato favorito, César adoraria o almoço.

Ao pensar no esposo, Eva sentiu um estremecimento. Não se dera conta de sua presença no almoço desde que iniciara os planos! Mas, inconscientemente, acabara por escolher o prato favorito de César. Sorriu pensando que não era preciso pensar nele sempre, sem muita convicção, entretanto. Como para desculpar-se por algo nem cometido, comprou uma nova caneta nanquim ao marido.

Ao sair da papelaria, Eva sentiu o celular vibrando. De forma estranha, soltou as sacolas, abraçou as flores, retirou o telefone ao mesmo tempo que punha lá dentro a caneta, e atendeu.

“Eva?” era César.

“Oi querido, tudo bem? Estou indo pra casa, vou fazer o almoço, tenho uma surpresa para ti, nunca vais adivinhar...” metralhou Eva, sem pensar em respirar entre as palavras.

“Eva, não me chames mais de querido. Essa época...”

“Ah, meu amor, deixa de bobagens! Já estou indo para casa, só...”

“Calma! Fala mais devagar!” interrompeu César.

“Que houve, meu bem? Porque estás falando assim?” perguntou Eva, com uma ruguinha de contrariedade se esboçando na testa. O sol fica coberto nesse instante por uma nuvem grossa e cinzenta.

“Nada, só queria saber que horas vens pra casa hoje...” suspirou César, sem saber bem por que havia ligado. Afinal, amava a mulher, mas não havia sentido nisso.

“Ah” o rosto de Eva iluminou-se. Afinal, ela amava muito seu esposo e ambos eram felizes juntos. “Eu estou a duas quadras de casa. Vou fazer salada de peixe e torta suspiro de morango. Que achas?”

“Bom. Vem logo, eu...”

“Estás com saudades?”

“É, é.” Mentiu César para ser agradável. “Tchau, Eva.”

“Tchau, meu amor! Toma banho... Te amo muito!”

“Tchau, Eva.” Desligou sem ouvir o que Eva tinha dito por último.

Eva, sorrindo por hábito, recolocou o celular na bolsa, pegou as sacolas e foi para casa.

Caminhou as últimas quadras entre duas idéias loucas e chegou a casa quase apreensiva. Girou a chave, abriu a porta e gritou “César!

Na cozinha, soltou as compras sobre o balcão, pôs as flores, atabalhoadamente, em um vaso e pegou a caneta para entregar ao marido.

Correu da cozinha ao quarto, ao banheiro e ao jardim. Finalmente o encontrou sentado, de pijamas, na frente da piscina. César bebia água em uma garrafa de plástico.

Meneando a cabeça e dando a entonação de mãe que reprova as travessuras do filho, Eva passou as mãos pelos cabelos do marido.

“Queridinho, meio-dia! Por que ainda não te vestiste? Vou cozinhar o almoço já... tenho um presente.”

César voltou-se para a esposa.

“É de comer?” perguntou indiferente.

Eva soltou uma gargalhada sonoramente falsa enquanto entregava a caneta ao homem de pijamas.

César pegou a caneta, sorriu e agradeceu com um beijo na testa da mulher de lenço azul.

“Gostou?”

“Sim, Eva. A caneta é bonita. Vou já escrever com ela.” Disse, impassível, César.

“Tudo bem, meu amor. Vou preparar o almoço, pode ser?” ronronou, melosa, a moça das flores.

Tentou beijar o marido nos lábios, mas ele fingiu não perceber e foi ao quarto.

Eva, sem entender nada, nem se zangar, foi para a cozinha fazer o almoço.

Esse meio tempo transcorreu na maior tranqüilidade. Eva sentia-se imensamente feliz ter um marido tão maravilhoso, que a amava tanto, estava pensando em engravidar...

César, meu amor, a comida está pronta!” berrou Eva, colocando os pratos na mesa, as flores e as velas.

“Sabes, meu amor, eu acho que ficou ótima a minha comidinha! Pus orégano na salada e a torta ficou tão bonita! E o suco...” só então percebeu que César não havia respondido.

Terminando de pôr os garfos e as facas, Eva foi procurar o marido, feliz. Cantarolando qualquer bobagem, chegou ao jardim e encontrou um bilhete, escrito pelo marido. “Vai até o quarto.”

O rosto iluminado ante a perspectiva de fazer sexo (algo que não acontecia desde o último mês de julho), Eva correu saltitando até o quarto. Ao acender a luz viu o marido amado nu, enforcado no lustre. Um olho fechado, o outro quase saltando da órbita, a língua roxa e grossa caindo pelo lado da boca desfigurada.

Em cima da cama, Eva encontrou uma carta que dizia somente: “O cheiro está ótimo. Vai almoçar!”

Eva, chorando para dentro, sentou-se à mesa e comeu com o maior apetite que já tivera em vida.

Cappuccino

“Florbela Paz” assinou Florbela, entre dois bocejos. Depois de umas boas seis horas na frente do pequeno laptop, olhou pela janela. O sol já havia nascido há meia hora, mas ainda não tinha avisado à jovem tradutora. Tinha ficado com medo de atrapalhar.

Para ter certeza de que ainda conseguia caminhar, Florbela resolveu pôr-se em pé e ir até a cozinha passar mais café.

“Puta que pariu, acabou a porra do café.” Resmungou a señorita contrafeita. Foi trocar de calças para comprar quando uma sensação imperiosa atingiu-a como um raio, havia muito tempo desde a última “revelação” que tivera, última vez que uma verdade de tal magnitude a surpreendera dessa forma avassaladora. “Sim, fui abençoada!” sentiu Florbela e viu que precisava de um banho, roupas bonitas e cabelos presos.

Despiu-se e entrou sob o chuveiro morno. Em estado de graça, a moça esfregou levemente em seu corpo a esponja roxa cheia de espuma do sabonete de magnólia. Massageou os longos cabelos cacheados castanho-claros com shampoo de erva-doce até fazer muita espuma. Enxaguou o corpo e os cabelos com uma melodia imprecisa na mente. Passou condicionador nos cabelos, penteou-os entre risos, enxaguou-os.

Saiu do banho, enxugou-se, enrolou os cabelos com a toalha, perfumou-se, vestiu-se e sorriu. Sentiu-se como talvez somente em livros personagens pudessem ter se sentido (como em livros que já traduzira, principalmente os latino-americanos tão amados. Se sentia como o coronel Aureliano Buendía, quando, ainda menino, é levado pelo pai para ver o gelo; ou quando Eva Luna vai, com a avó Elvira, ver a neve de verdade...).

Florbela, que não saía do apartamento há quase dois meses – a não ser para as tarefas essenciais, como renovar os livros nas bibliotecas, comprar café, leite, comida, pagar contas, ir aos correios... –, estava excitada com sua verdade inalienável. Vestiu uma camisa branca, saia tulipa preta, meia-calça fio 20 e sapatilhas pretas de verniz. Pegou a bolsa de pano preto, colocou nela a carteira, o celular, o rímel e um livro de bolso, e saiu de seu apartamento, depois de enviar ao editor sua tradução parcial do livro magistral de um escritor bigodudo-colombiano-com nome de anjo.

Sentia-se como a Monalisa. Ela tinha um segredo muito precioso, sabia do que os outros sequer desconfiavam (sorria por dentro ante esse pensamento). Desceu as escadas e nem sentiu chegar ao térreo. Destrancou todas as portas e saiu em busca de sua sorte. Os olhos furta-cor desse poema de Baudelaire pousavam em todas as coisas como se as jamais tivessem mirado. As árvores da praça que via sempre; os barulhos familiares; os pombos infecciosos; o chafariz ordinariamente seco, tudo era tão bonito e peculiar! Florbela sentia-se parte de um corpo que pulsava e vivia (estava sobre o coração da cidade!). Finalmente, paradoxalmente, via o mundo como um quadro conjunto, sólido, coerente, com todas as pinceladas no lugar certo, enquanto percebia, também, todas as matizes diferentes e irremediavelmente distantes. Embora próximas, notava as pinceladas e as sentia extremamente distintas, separadas, solitárias, demasiadamente solitárias.

Respirou e tossiu, pois um homem, passando ao seu lado, acabara de expelir fumaça suficiente para cortar-lhe uns quatro anos. Mas Florbela continuava iluminada e feliz com sua descoberta... na verdade, redescoberta.

as amou-osaria. rsas, ficaria b br, com quem de forma nenhuma travaria conecimento os inescrutssem mirado. Um estranho humor tomou conta da menina de cabelos cacheados. Ela ficou do jeito que atemorizava seus amigos antigos, procurando segredos nos rostos inescrutáveis das pessoas que passavam por ela. Gente que ela jamais tornaria a ver, com quem de forma nenhuma travaria conhecimento, entabularia conversas, ficaria bêbada, brigaria. Mas amou – ou antes, pensou ter amado naquele momento preciso – aquela gente cinza que passava por ela e a achava, no mínimo, esquisita, por andar sorrindo e mexendo os lábios. Tentou (metaforicamente, é claro) entender, decifrar os olhos de todos eles. Certamente teriam um segredo... talvez tão ocukto que nem mesmo eles soubessem. Ela queria devorar a humanidade deles...

“BIIIP!!!” grasnou a buzina de um carro e um impropério berrou o motorista. Então Florbela teve consciência de possuir um corpo de verdade, ser visível e mortal! Sim, porque quase foi atropelada.

Desajeitadamente pediu desculpas e agradeceu ao motorista do carro que quase a matou e seguiu caminho. Rumo à felicidade plena de uma manhã de terça-feira de setembro.

Levemente perturbada pelo incidente com o carro, Florbela seguiu em seus devaneios, ainda com o sorriso estranho em seu rosto.

Entrou em uma galeria de lojas randômicas e deixou o cheiro de sua felicidade guia-la. Repreendeu a si mesma muito docemente por ter escondido esse inefável tesouro e deixou as pernas a guiarem.

De volta ao sol tímido do início de primavera (ainda não lembrava que se tinha esquecido do aniversário de sua sogra, no dia anterior), Florbela sentiu-se fisicamente machucada ao ver a boniteza de uma nuvenzinha translúcida que parecia feita “da cor do invisível”.

Quanto mais caminhava, mais seu coração se acelerava. Quando pensou que ia explodir, chegou. Entrou alvorotada no Café, sentou-se em uma mesa escondida, abriu a bolsa de pano e retirou de suas entranhas o livro de bolso. Pediu o cardápio com os olhos cheios de lágrimas – o que preocupou a atendente, a qual tinha muito medo de servir um “doido varrido”. Ao recebê-lo, escolheu sem ler, pois toda sua vida culminava naquele momento e, se ela não soubesse o que ia tomar, então poderia se matar com uma faca de manteiga pois nada teria sentido.

“Um cappuccino grande.”

“Só?” indagou, solícita, a menina esverdeada e temerosa de “loucos de pedra”, anotando.

Essa pergunta ofendeu pessoalmente Florbela, tanto que ela teve de se esforçar para não tomar o lápis da mão direita da menina e enfia-lo no seu olho preto de peixe-morto.

“Sim, é só isso” resmungou entre dentes Florbela, engolindo o amargor.

A menina saiu e Florbela pôs-se a ler o pequeno que trouxera consigo exatamente com esse propósito. Seu coração batia feliz, tudo estava perfeito. Pensava agora, vagamente, em seu namorado ausente. Realmente o desejava mais perto.

Quando a taça foi trazida com a bebida em forma trifásica, quente, com o creme de chantilly artisticamente arrumado em ondas, coberto com chocolate raspado e canela, Florbela exultou. Cheirou-o, tocou o chantilly com a colher para testar-lhe a textura, observou tudo e, com jeito de quem está em comunhão com o Absoluto, sorveu deliciosamente a bebida quente, depois de lamber o chantilly na colher.

Enquanto bebia o cappuccino, Florbela compreendeu que a chave de toda a felicidade do universo estavam em sentir todas as coisas com todas as forças e em todo o corpo.

“Pode ser um lugar-comum, mas a magia da vida está em tomar um cappuccino e senti-lo inteiro, levar esse sentimento ao extremo de não poder viver sem ele para, depois, aceitar seu fim... Logo, quem não toma cappuccino nunca poderá ser plenamente feliz!” pensou Florbela.

E novamente lembrou-se de um coração que, naquele exato instante, também batia, mas tão longe dela... “Queria que ele estivesse tomando cappuccino também...”

E então ela lembra-se de que o aniversário de sua sogra tinha sido ontem.

El Sueño que Pasó

Sentada à beira da cama, Marina termina de amarrar os coturnos. Estonteada ainda pelo sono, a jovem rumina o sonho vago que não consegue rememorar com detalhes. Cada pedaço do seu corpo carrega reminiscências dos dois dias,especialmente a boca (travo do álcool consumido nos dois dias), o estômago (“borboletas” de uma fome de comida saudável), a cabeça (vazio da ressaca), os ouvidos (zumbido do som alto) e as pernas, braços e pescoço (cansaço de uma dança esquizóide que foi improvisada entre uma dose e outra).

O mostrador do relógio informa solenemente: “Marina,estás atrasada.”, “Mas sempre dá tempo pra tomar um café forte.” Replica, mal-humorada, a jovem de vestido roxo.

Distraidamente, Marina arruma os cabelos e maquia os olhos castanhos. Em um estado semi-onírico, a jovem veste um casaco, três segundos depois o recusa e não consegue livrar-se das tênues cordas que a prendem ao sonho confuso do qual não vê jeito de lembrar-se.

Sai do quarto com uma bolsa de veludo preta onde jaziam os restos financeiros e estéticos da sexta, do sábado e do domingo, além dos documentos, do telefone celular e de um livro de bolso.

Na cozinha bebe um copo d’água, no banheiro escova os dentes.

Tranca a porta atrás de si e esquece a chave. Entra no elevador e um fio de seu vestido fica preso. Sem dar por isso, aperta o botão do térreo e se põe a ler distraidamente um poema escrito na parede. Fica tentando compreender duas coisas ao mesmo tempo e tem um sobressalto quando o elevador chega ao “T”.

Anda entre dois sonhos, passa pelo porteiro eletrônico ao qual chama de James para lembrar-se de que, um dia, uma pessoa de verdade era paga para abrir a porta.

“Bom dia, James.” diz, indiferente, apertando-o.

“Pííí” foi sua resposta ao abrir-lhe aporta.

Marina, sem perceber, tinha seu vestido desfiado (o comprimento, originalmente na altura das canelas, já estava sobre os joelhos). Sem lembrar, nem esquecer, pensa obsessivamente no sonho da noite anterior.

O céu está tão azul quanto nos livros do Erico Veríssimo, as árvores ainda conservam, dignamente, as palavras dos olhos bovinos de Mario Quintana...e as pessoas, tão sérias e ensimesmadas como mandam as regras. Marina, no meio delas, parecia uma formiguinha vista do apartamento de Florbela.

Ao parar no sinal, o bonito vestido roxo que cobre o corpo de Marina está no meio das coxas. Uma senhora respeitável percebeu, enquanto atravessavam a rua, que o vestido diminuía devido ao fio puxado, o qual parecia uma espécie de trilha para não se perder. A respeitável senhora (Antônia de Assumpção é seu nome de batismo) acha que a jovem o faz de propósito, classifica-a de meretriz e segue seu caminho, lançando a Marina um olhar cheio de raiva e reproche.

Como ninguém parecia perceber a situação na qual a jovem de roxo, inconscientemente, havia se metido, a menina do vestido encolhedor segue seu caminho, parecendo flutuar. Ao dobrar a esquina da Quinze com a Sete (Vinte e Dois), toda a fauna e a flora do Café mais tradicional da cidade delirava ao ver que a cor das calcinhas da menina de coturnos era cor-de-burro-quando-foge! Certamente os venerandos, responsáveis, conservadores, centenários e retrógrados pares de olhos freqüentadores do Café somente reparavam na forma, tentavam adivinhar a textura e ver se tinha ou não lacinho a calcinha da menina, jamais reparariam no seu conteúdo, ou desejariam que a jovem tivesse esquecido de pôr a roupa íntima naquela fatídica manhã, longe deles!

Com os olhos castanhos ainda olhando para dentro de si mesma, Marina segue caminhando inocentemente.

“Só consigo lembrar que sentia...” eram seus balbuciantes pensamentos, tentando infrutiferamente lembrar do sonho maluco da noite anterior.

Chegando à rua nomeada em homenagem a um famoso padre jesuíta, o qual ajudou a matar a cultura de seu país e trouxe aos nativos ignorantes as doenças e as sujeiras do mundo civilizado, já se via sua barriga (talvez não seja muito agradável descrevê-la. Alguns a achariam “ajeitadinha”, mas os rígidos padrões de beleza a reprovariam por não ter passado por uma academia ou um bisturi...).

Atravessa a rua correndo, sem entender o olhar da menina que passa por ela. Continua pensando no sonho, quase enlouquecendo por não conseguir sequer saber do que tratava!

O olhar da menina, jovenzinha rebelde sem causa de doze anos, foi de inveja e admiração. O sutiã preto, de renda e arame que sustentava os seios relativamente bonitos de Marina (e até os seios relativamente bonitos da jovem) eram o sonho de consumo da tal menininha pseudo punk/gótica/grunge. E andar na rua com tudo isso à mostra, certamente era o poder encarnado em forma de mulher. “Imagina o que a minha mãe ia dizer se me visse assim!” sorri a pré-adolescente, imaginando...

Marina, com a cabeça latejando (ressaca!), pensa vagamente no dia que teria pela frente – sem esquecer de tentar lembrar do sonho que esqueceu.

Ao chegar a mais uma esquina, o fio de lã está do tamanho original, desenrolado, antes de ter sido tecido de forma a ser o bonito vestido roxo de Marina. Cai no chão o fio, toca o celular. Ela atende, olhando-se em uma vitrine. Ao ver-se assim, apenas usando um sutiã de renda preto, uma calcinha cor-de-burro-quando-foge de algodão, coturnos pretos, segurando uma pequena bolsa de veludo na mão esquerda e com o celular ao ouvido direito, sente-se invadida por uma felicidade indizível, um alívio infinito. Sorri e quase vai às lágrimas. “Lembrei! Lembrei! Eu sonhei que saía na rua com esse vestido, o fio prendia no elevador e eu acabava pelada na esquina da Félix com a Sete! Lembrei!” grita Marina, exultante.

Em uma fração de segundo percebe o ridículo da situação e cai, sem sentidos, ali mesmo, na esquina da Félix com a Sete, ante o olhar perplexo da multidão.

Ela ainda parece uma formiguinha vista do terraço do prédio no qual vive Florbela. Mas albina.

Fim de semana, contos, objetos de desejo.

Esse fim de semana me inspirou a publicar meus contos embrionários, mas provavelmente eu vou criar um blog separado para isso.

Se lhes interessar, claro.

Amanhã postarei sobre o Francês, os objetos de desejo e outras coisas especialmente banais.

Ah, e posso dizer que as coisas se encaixam melhor ^^

Até mais, amigos ^^

Coisas Legais

É tão legal acordar e a franja estar perfeita, o cabelo lindo e descobrir que a barriga sumiu! Tudo bem, hoje meu cabelo estava razoável, a franja meio temperamental e a barriga ali, existente e arrogante.
Mas é legal perceber que eu posso fazer novos amigos, aprender uma língua nova e cuidar de mim ao mesmo tempo. Na verdade, acho que as duas constatações anteriores corroboram a última.
Sinto-me bem diante da possibilidade.
E a possibilidade, a expectativa por momentos felizes, é a felicidade. Parágrafos célebres podem ser citados, mas o que me vem à mente é o segundo de um dos livros mais perfeitos da literatura mundial. Há várias possíveis traduções, mas, como não gosto muito de traduções, transcreverei-o como foi escrito, no desespero de Richmond, pela maior escritora de todos os tempos. Depois transcrevo a versão traduzida pelo meu amado poeta vovô.

  

What a lark! What a plunge! (...) How fresh, how calm, stiller than this of course, the air was in the early morning; like the flap of a wave; the kiss of a wave; chill and sharp and yet (for a girl of eighteen as she was) solemn, feeling as she did, standing there at the open window, that something awful was about to happen; looking at the flowers, at the trees with the smoke winding off them and the rooks rising, falling (...)


Que frêmito! Que mergulho! (...) Que fresco, que calmo, mais que o de hoje, não era então o ar da manhãzinha; como o tapa de uma onda; como o beijo de uma onda; frio, fino e ainda (para a menina de dezoito anos que ela era em Bourton) solene, sentindo,, como sentia, parada ali ante a janela aberta, que alguma coisa de terrível ia acontecer; olhando para as flores, para os troncos, de onde se desprendia a névoa, para as gralhas, que se alçavam e abatiam (...)




Sei que vocês sabem de quem estou falando... Só ela pode ter a magnitude suficiente, a felicidade e a dor.

Porque somos assim.

Mas agora, o meu negócio deixou de ser a literatura e passou a ser a moda. E isso me alegra e enche de possibilidades.

Bem como o Francês...

Heureuse...

Felicidades Idiotas

Hoje, apesar de todos os outros dias, eu estou feliz de verdade. Não completamente (odeio São Carlos), mas antecipo uma tarde deliciosa.
Apesar do calor, do sol e das pernas grossas, sairei e passarei minutos felizes em busca de um dicionário e de uma gramática.
Porque quero e vou me auto-ensinar francês, não totalmente sozinha.
Eu preciso pensar em outras coisas, em outras palavras, em outras roupas.
Porque, sim, dei adeus às letras e espero dar olá à moda.
Comi direito, dormi direito, tomei água.
Espero que as coisas não desandem quando eu menos esperar...

E só, nada mais.

Au revoir ^^

Rien de Rien

Rien de rien…

Il ne se passe jamais rien pour moi
Je me demande pourquoi!
Rien! Rien! Rien!
Il ne se passe jamais rien!...
Rien de rien…
Il ne se passe jamais rien pour moi
Je me demande pourquoi!
Rien! Rien! Rien!
Il ne se passe jamais rien!...

Du matin à l’heure où je me couche
Tout ici est calme et banal
J’aimerais que ‘y se passe quelque chose de louche
De la prime ou du pas normal

Rien de rien…
Il ne se passe jamais rien pour moi
Je me demande pourquoi!
Rien! Rien! Rien!
Il ne se passe jamais rien!...

Voici un couple qui murmure
Et dans une chambre veut se glisser…
Je devine une tendre aventure…
Mais ils vont chacun de leur côte!

Rien de rien…
Il ne se passe jamais rien pour moi
Je me demande pourquoi!
Rien! Rien! Rien!
Il ne se passe jamais rien!...
Rien de rien…
Il ne se passe jamais rien pour moi
Je me demande pourquoi!
Rien!...
Il ne se passe jamais rien!...
Rien de rien…
Il ne se passe jamais rien pour moi
Je me demande pourquoi!
Rien! Rien! Rien!
Il ne se passe jamais rien!...

Deux hommes parlent à voix basse
Discutant pleins d’animation
Pour écouter, je change de place
Mais hélas je n’entends que “oui, non”

Rien de rien…
Il ne se passe jamais rien pour moi
Je me demande pourquoi!
Rien! Rien! Rien!
Il ne se passe jamais rien!...

Ce qu’y se passe pas j’aimerais que ça se passe
Que ça se passe ne serait-ce que pour moi.
Comme ça je verrais ce qu’y se passe
Et je pourrais dire que ça se passe pas!

Rien de rien…
Il ne se passe jamais rien pour moi
Et je me demande pourquoi!
Rien…
Il ne se passe jamais rien!



Eu amo a pardalzinho ^^

Reerguer

Sei que relações entre jogos de futebol e a vida parecem lulísticas, mas aí vai. Hoje meu time foi absurdamente desclassificado do Campeonato Gaúcho. E o pior é que temos um jogo decisivo na quarta-feira, de uma competição talvez mais importante que nosso estadual...
Como impedir o desânimo, o abalo, de atingir a equipe em situação tão adversa? Uma equipe que não perdera nenhum jogo sequer no ano perde logo duas partidas importantíssimas? O que isso faz com o espírito dos jogadores?
O lógico seria exigir dos jogadores que se reergam, que lutem e arranjem garra da derrota. Convertam-se nos tais heróis espartanos, contem com o apoio da torcida, desdobrem-se, superem-se, vençam! Afinal, quem são vocês?
Nesse domingo estranho, recebi uma notícia que me desanimou um pouco. Se eu tinha uma certeza à qual me apegar, uma tranqüilidade, um teto e um chão, ela se desfez. Pelo menos um pouco... Agora a certeza é mais inefável, mais duvidosa, mais incerta. Ela é menos, basicamente.
E como impedir que o desânimo me atinja também? Como transformar essa derrota em uma vitória, como triunfar? Houve tantos problemas na minha vida, tantos percalços nesse ano. Sinceramente, dois mil e oito começou difícil, mais do que eu esperava. Decepcionei-me com uma pessoa importante, não posso perdoá-la. E como partir dessa situação, encerrar esse ciclo se minha certeza se desacerta? Quero recomeçar, como meu time precisa recomeçar.
Preciso arranjar garra também, preciso contar com o apoio do meu namorado e dos meus amigos, preciso de gente e de mim. Tenho que me reerguer, tenho que ganhar esses jogos, não posso desistir.
As coisas não vêm facilmente, e eu sei de tudo isso. Tudo é difícil e eu preciso encontrar prazer em vencer obstáculos.
Como o Grêmio precisa vencer, não pode se abater...
Clichês aparte, espero que o juiz me dê mais tempo de acréscimos...

Eu dormi!!!

Eu dormi!!!
Sei que pode parecer inútil fazer tal afirmação com tamanhas exclamações (nem exagerei tanto dessa vez, só usei três), mas os clichês valem nesse caso. Quando não se consegue dormir, percebemos por que dormimos... Muitas pessoas reclamam, quanto tempo intelectualmente produtivo se perde dormindo! Mas, quando não se dorme, nada é produtivo. A cabeça dói, os olhos ardem, a fome não passa, o peso no pescoço...
Há 8 dias eu não dormia mais que duas horas por noite, desesperadora situação: apagam-se as luzes, regulariza-se a respiração pesada do irmão, minha gata ressona aos meus pés. Mas meu cérebro não pára. E, quando as luzes voltam na manhã, meus olhos cansados se fecham. E sua reabertura acontece quando os ruídos da casa começam. e eles só se fecham de novo às luzes do próximo amanhecer.
As coisas da minha casa me desesperam, me exasperam. Mas, depois de uma conversa com minha mãe, me deitei.
Depois da primeira derrota do Grêmio em dezenove jogos... Acho que me acalmei com o gol do Róger aos quarenta e três minutos do segundo tempo, porque me deitei e dormi.
Dormi por inteiras, intensas e preguiçosas sete horas!!!
E hoje me sinto capaz de várias coisas, como me deitar e dormir de novo à noite.
Estou mais calma, menos tortuoso cérebro.

Kate Nash é bem legal, gostei mais do que imaginei... Identifiquei-me com fragmentos, especialmente com "Mouthwash".
Meu passado relacionamentístico pré-Heitor se identifica com "Nicest Thing" e "We get On".

Com o Heitor, "Birds" e "Little Red".

E somos parecidas porque ela tem sardas e não é exatamente magrinha ^^

Mais tarde eu posto outras coisas, por enquanto repetirei-me ao proclamar: Eu dormi!!!

(\(\

Arrêtez la Musique!...

Não, estou brincando... Não parem a música, não!
Sinceramente, amado Heitor, eu só precisava de um empurrãozinho (Feist) para voltar aos bons tempos de saber as letras das músicas, pesquisar biografias e buscar nuances comoventes em vozes suaves ou estridentes.
Música pode criar conversas, alterar estados de consciência e sentimento. Passo por momentos complicados e ouvir canções/chansons/songs tem me distraído.
Tenho três álbuns pra ouvir: 5.55, da Charlotte Gainsbourg (vide meu fotolog..); Made of Bricks, da Kate Nash; e Grace, do Jeff Buckley (sugestão do meu novo amigo de lastfm, Lauro²). Sei que vou gostar de dois desses, um deles parece meio indie-pop. Mas meus preconceitos têm declinado, afinal...
Hoje foi um dia diferente, acho que para melhor... Apesar de ter miado o passeio com o Soft (momento "Fantástico Mundo de Bobby - Imaginem um passeio miando!), hoje eu pude colocar algumas coisas em perspectivas diferentes. E acho que as musiquinhas amadureceram minha percepção.

De certa forma...

Agora preciso rever "Piaf" porque sim.

Ontem conversei com o Moisés, e isso me fez bastante bem. E ele sabe disso...

Falar com o Heitor me faz tanta falta, apesar dos msns e dos orkuts e dos telefones.

Agora escuto "So Real", pena que o scrobbing do lastfm não funciona com as músicas do Jeff Buckley que eu tenho aqui...

Despeço-me agora, sem mais muitas coisas...

Amanhã tem jogo da Copa do Brasil ^^

Gosto de vocês, onde quer que estejam :~~

[Foto do Heitor no início de janeiro]