Com Agulhas

Eu gosto de escrever, de inventar uns diálogos loucos em jantares imaginários. Eu gosto de roupas, invento uns modelos e luto pra dar as luzes, partos difíceis esses, idéias. Gosto de comprar roupas e sapatos, futilidades não, estilo próprio; não sou uma fashion victim - a vida é demasiado curta pra rótulos e embalagens estragadas. Eu gosto de café, de canecas e de planos de casamento. Gosto de mim, contudo e com tudo.

Com Canetas

Eu tenho um dois à esquerda na idade, mas não acho que sou tão velha. Chamo minha gata de nenê e dou apelidos adoráveis ao meu namorado. Eu tricoto porque me acalma, produzindo, me agradam as cores das lãs. Eu amo porque não vivo no gris, amor vivo, amo pessoas e filmes e livros e bichos. Eu tenho o Heitor, já me basta de tanto amor. Eu adoro a língua francesa, adoro as idéias parisienses e as boinas e os cafés.

Perdida

Amélia, que nomezinho bem ingrato!, pensava Amélia instantes antes de perceber a tragédia do sábado. Estava no supermercado com a filha pequena, Cecília. Abismada pelo preço do feijão e irritada com as manhas da filha, Amélia considerou a origem de seu submisso nome e largou a mão da pequena Cecília.

Não mais do que o pulsar de seus corações, não mais do que suas respirações. Amélia se distraiu.

“Lili, tu...” horror e voz esganiçada “Cecília!”. Olhos castanhos imensos, boca desfigurada. Cecília sumira.

Dores de mãe, Amélia se desesperou. Será que estou sendo punida? De um jeito irônico e sei lá... “Cecília!” Porque eu não te queria, queria que tu morresses dentro de mim, me perguntava... Meu útero, como eu desejei a expulsão daquele feto! Quinze anos, a melhor da turma, precoce. Precocemente de pernas abertas, trancada no quarto. Precocemente fazendo sexo quatro vezes por semana com o namorado mais velho. Até o dia da ovulação, mas eu nem sabia! E ele sempre tirava antes... Menos naquele dia “Cecília! Cecília!”. E tu te fizeste dentro de mim e eu te odiei! Mas minha mãe te amou, “Lili!” e te deu apelido, te deu comida, fez carinho e me fez não te dar pra outra pessoa amar. Mas eu sofri, chorei e perdi. Perdi o namorado, o ano e o prestígio. Apanhei do meu pai, tanto e tanto, e tu não morreste. Maldita “Cecília!” , eu engordei tanto! Pés inchados, choro, bexiga cheia. E eu não resolvi gostar de ti. Mas eras minha filha, então... Obrigada a te amar, mãe seria. De novo, pernas abertas e dilatação, tua cabeça passou. Depois o corpo. No meu colo, sangrenta, tomaste a gordura dos meus seios. E eu não te amei quando te vi. “Cecília!” Eu não consegui me apaixonar! Mas minha mãe continuou forte, cuidou de ti. De nós. E eu te amamentei, te troquei as fraldas, e tu me chamaste de “mãe”. Ainda assim, “Lili!” eu estava distraída. Deprimida. Mas já não te odiava, “Cecília!” não te queria pelas costas. Muito quero que entendas, “Minha filha sumiu, ela tem cinco anos...” eu imaginava ser mãe de outro jeito, mais velha e casada. Não estava pronta, aos dezesseis anos, para parir! E eu cuidei de ti, sim. Sempre, meu dever! Arranjei emprego, te alimentei, te vesti, te eduquei. Minha mãe ajudou muito “Estávamos no corredor do feijão, e ela sumiu!” , mas sempre deixei claro, “Cecília!” eu sou a mãe. Deus, nunca te bati, nem perto! Sempre quieta, obediente e carinhosa. Sou eu quem não gosta de abraços e beijos babados. Não me deste motivos para irritações, “Ela é pequenina, magrinha, tem cabelo castanho...” e eu aprendi “Está com o uniforme da escolinha, é azul claro.” A conviver contigo e pensar por nós duas. Apesar da minha falta de entusiasmo, “Cecília!” eras minha filha e eu gostava de ti. Te protegi, fiz chocolate-quente... Minhas maiores raivas “Cabelo castanho, preso...” foram quando te associei à minha gordura... “O nome dela é Cecília, ou pode chamá-la de Lili.” E meus desejos assassinos, que mãe não os tem?, se limitaram a fantasias. Não quis te matar mais do que quis arrancar minha barriga... Nunca te jogaria pela janela, “Cecília!” assim como nunca pegaria uma faca para cortar meus culotes fora. Contive meus ímpetos destrutivos “Lili!” com uma tela de proteção nas janelas e uma cinta modeladora na cintura. Ah, que péssima mãe! Eu te comparo com o meu excesso de peso! E agora, Lili? Te perdi... Como é que eu vou voltar pra casa? Comprei chocolate e frango, amanhã eu ia fazer strogonoff e mousse de chocolate... Eu sei “Lili!” que não te amei tanto quanto deveria, minha filha! Mas não poderia te deixar ficar perdida por aí. Ah, é mesmo! E se eu nunca mais te achar? E se alguém te roubou? Não poderia viver com a culpa... E se te maltratam? E se te matam? “Cecília!” Não posso pensar nisso “Cadê a minha filha?” Seria uma punição...sei lá...cármica? Ai, onde está a Cecília?

Atordoada, respirava fragmentos. Sentia dores, sentia frio. O ar estava denso, era difícil de caminhar. Amélia se movimentava descontrolada, corria, voltava. Sem perceber, pobre menina, lágrimas corriam pelo rosto redondo e afogueado. Até que, no corredor dos chocolates, a pequena figura familiar se desenhou. “Ma p’tite!” uma voz rouca se fez ouvir nos corredores aflitos. Amélia se lançou em direção da fantasminha.

“Mamãe, posso levar esse chocolate?”

Foi o que a pequena pôde balbuciar antes de perder o fôlego. Amélia abraçou Cecília, embalou-a e cantarolou. Chorou ao ralhar com a menina, mas as repreensões eram tão doces que não enganariam ninguém. Encheu de beijos os cabelos, o rosto e os ombros da filha. Olhou bem para ela, a filha sorria.

Tomou-a nos braços e carregou-a no colo, pela primeira vez, como a mãe que acabara de se tornar.

1 Moedas no Cofrinho:

  1. Anônimo disse...
     

    E mais uma vez, FELIZ DIA DAS MÃES!

    Um conto bonitinho sobre mudanças... Você está se superando!

    Gosto de voce e de tudo que tu representa.

    Até mais :)

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