Com Agulhas

Eu gosto de escrever, de inventar uns diálogos loucos em jantares imaginários. Eu gosto de roupas, invento uns modelos e luto pra dar as luzes, partos difíceis esses, idéias. Gosto de comprar roupas e sapatos, futilidades não, estilo próprio; não sou uma fashion victim - a vida é demasiado curta pra rótulos e embalagens estragadas. Eu gosto de café, de canecas e de planos de casamento. Gosto de mim, contudo e com tudo.

Com Canetas

Eu tenho um dois à esquerda na idade, mas não acho que sou tão velha. Chamo minha gata de nenê e dou apelidos adoráveis ao meu namorado. Eu tricoto porque me acalma, produzindo, me agradam as cores das lãs. Eu amo porque não vivo no gris, amor vivo, amo pessoas e filmes e livros e bichos. Eu tenho o Heitor, já me basta de tanto amor. Eu adoro a língua francesa, adoro as idéias parisienses e as boinas e os cafés.

Cappuccino

“Florbela Paz” assinou Florbela, entre dois bocejos. Depois de umas boas seis horas na frente do pequeno laptop, olhou pela janela. O sol já havia nascido há meia hora, mas ainda não tinha avisado à jovem tradutora. Tinha ficado com medo de atrapalhar.

Para ter certeza de que ainda conseguia caminhar, Florbela resolveu pôr-se em pé e ir até a cozinha passar mais café.

“Puta que pariu, acabou a porra do café.” Resmungou a señorita contrafeita. Foi trocar de calças para comprar quando uma sensação imperiosa atingiu-a como um raio, havia muito tempo desde a última “revelação” que tivera, última vez que uma verdade de tal magnitude a surpreendera dessa forma avassaladora. “Sim, fui abençoada!” sentiu Florbela e viu que precisava de um banho, roupas bonitas e cabelos presos.

Despiu-se e entrou sob o chuveiro morno. Em estado de graça, a moça esfregou levemente em seu corpo a esponja roxa cheia de espuma do sabonete de magnólia. Massageou os longos cabelos cacheados castanho-claros com shampoo de erva-doce até fazer muita espuma. Enxaguou o corpo e os cabelos com uma melodia imprecisa na mente. Passou condicionador nos cabelos, penteou-os entre risos, enxaguou-os.

Saiu do banho, enxugou-se, enrolou os cabelos com a toalha, perfumou-se, vestiu-se e sorriu. Sentiu-se como talvez somente em livros personagens pudessem ter se sentido (como em livros que já traduzira, principalmente os latino-americanos tão amados. Se sentia como o coronel Aureliano Buendía, quando, ainda menino, é levado pelo pai para ver o gelo; ou quando Eva Luna vai, com a avó Elvira, ver a neve de verdade...).

Florbela, que não saía do apartamento há quase dois meses – a não ser para as tarefas essenciais, como renovar os livros nas bibliotecas, comprar café, leite, comida, pagar contas, ir aos correios... –, estava excitada com sua verdade inalienável. Vestiu uma camisa branca, saia tulipa preta, meia-calça fio 20 e sapatilhas pretas de verniz. Pegou a bolsa de pano preto, colocou nela a carteira, o celular, o rímel e um livro de bolso, e saiu de seu apartamento, depois de enviar ao editor sua tradução parcial do livro magistral de um escritor bigodudo-colombiano-com nome de anjo.

Sentia-se como a Monalisa. Ela tinha um segredo muito precioso, sabia do que os outros sequer desconfiavam (sorria por dentro ante esse pensamento). Desceu as escadas e nem sentiu chegar ao térreo. Destrancou todas as portas e saiu em busca de sua sorte. Os olhos furta-cor desse poema de Baudelaire pousavam em todas as coisas como se as jamais tivessem mirado. As árvores da praça que via sempre; os barulhos familiares; os pombos infecciosos; o chafariz ordinariamente seco, tudo era tão bonito e peculiar! Florbela sentia-se parte de um corpo que pulsava e vivia (estava sobre o coração da cidade!). Finalmente, paradoxalmente, via o mundo como um quadro conjunto, sólido, coerente, com todas as pinceladas no lugar certo, enquanto percebia, também, todas as matizes diferentes e irremediavelmente distantes. Embora próximas, notava as pinceladas e as sentia extremamente distintas, separadas, solitárias, demasiadamente solitárias.

Respirou e tossiu, pois um homem, passando ao seu lado, acabara de expelir fumaça suficiente para cortar-lhe uns quatro anos. Mas Florbela continuava iluminada e feliz com sua descoberta... na verdade, redescoberta.

as amou-osaria. rsas, ficaria b br, com quem de forma nenhuma travaria conecimento os inescrutssem mirado. Um estranho humor tomou conta da menina de cabelos cacheados. Ela ficou do jeito que atemorizava seus amigos antigos, procurando segredos nos rostos inescrutáveis das pessoas que passavam por ela. Gente que ela jamais tornaria a ver, com quem de forma nenhuma travaria conhecimento, entabularia conversas, ficaria bêbada, brigaria. Mas amou – ou antes, pensou ter amado naquele momento preciso – aquela gente cinza que passava por ela e a achava, no mínimo, esquisita, por andar sorrindo e mexendo os lábios. Tentou (metaforicamente, é claro) entender, decifrar os olhos de todos eles. Certamente teriam um segredo... talvez tão ocukto que nem mesmo eles soubessem. Ela queria devorar a humanidade deles...

“BIIIP!!!” grasnou a buzina de um carro e um impropério berrou o motorista. Então Florbela teve consciência de possuir um corpo de verdade, ser visível e mortal! Sim, porque quase foi atropelada.

Desajeitadamente pediu desculpas e agradeceu ao motorista do carro que quase a matou e seguiu caminho. Rumo à felicidade plena de uma manhã de terça-feira de setembro.

Levemente perturbada pelo incidente com o carro, Florbela seguiu em seus devaneios, ainda com o sorriso estranho em seu rosto.

Entrou em uma galeria de lojas randômicas e deixou o cheiro de sua felicidade guia-la. Repreendeu a si mesma muito docemente por ter escondido esse inefável tesouro e deixou as pernas a guiarem.

De volta ao sol tímido do início de primavera (ainda não lembrava que se tinha esquecido do aniversário de sua sogra, no dia anterior), Florbela sentiu-se fisicamente machucada ao ver a boniteza de uma nuvenzinha translúcida que parecia feita “da cor do invisível”.

Quanto mais caminhava, mais seu coração se acelerava. Quando pensou que ia explodir, chegou. Entrou alvorotada no Café, sentou-se em uma mesa escondida, abriu a bolsa de pano e retirou de suas entranhas o livro de bolso. Pediu o cardápio com os olhos cheios de lágrimas – o que preocupou a atendente, a qual tinha muito medo de servir um “doido varrido”. Ao recebê-lo, escolheu sem ler, pois toda sua vida culminava naquele momento e, se ela não soubesse o que ia tomar, então poderia se matar com uma faca de manteiga pois nada teria sentido.

“Um cappuccino grande.”

“Só?” indagou, solícita, a menina esverdeada e temerosa de “loucos de pedra”, anotando.

Essa pergunta ofendeu pessoalmente Florbela, tanto que ela teve de se esforçar para não tomar o lápis da mão direita da menina e enfia-lo no seu olho preto de peixe-morto.

“Sim, é só isso” resmungou entre dentes Florbela, engolindo o amargor.

A menina saiu e Florbela pôs-se a ler o pequeno que trouxera consigo exatamente com esse propósito. Seu coração batia feliz, tudo estava perfeito. Pensava agora, vagamente, em seu namorado ausente. Realmente o desejava mais perto.

Quando a taça foi trazida com a bebida em forma trifásica, quente, com o creme de chantilly artisticamente arrumado em ondas, coberto com chocolate raspado e canela, Florbela exultou. Cheirou-o, tocou o chantilly com a colher para testar-lhe a textura, observou tudo e, com jeito de quem está em comunhão com o Absoluto, sorveu deliciosamente a bebida quente, depois de lamber o chantilly na colher.

Enquanto bebia o cappuccino, Florbela compreendeu que a chave de toda a felicidade do universo estavam em sentir todas as coisas com todas as forças e em todo o corpo.

“Pode ser um lugar-comum, mas a magia da vida está em tomar um cappuccino e senti-lo inteiro, levar esse sentimento ao extremo de não poder viver sem ele para, depois, aceitar seu fim... Logo, quem não toma cappuccino nunca poderá ser plenamente feliz!” pensou Florbela.

E novamente lembrou-se de um coração que, naquele exato instante, também batia, mas tão longe dela... “Queria que ele estivesse tomando cappuccino também...”

E então ela lembra-se de que o aniversário de sua sogra tinha sido ontem.

3 Moedas no Cofrinho:

  1. Anônimo disse...
     

    Nhehhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh...

    Capuccino nao eh melhor q uma boa taca de chocolate quente... :P

  2. Anônimo disse...
     

    paz é o nome de umas das mais belas mulheres "com quem já troquei e-mail", heudhuedhue

    não sei, mas me parece meio auto-biografico ;)

  3. Blinding Angel disse...
     

    TAdinha da Florbela, bem que ela merece uma diazepanzinho

    ^^

Postar um comentário