Com Agulhas

Eu gosto de escrever, de inventar uns diálogos loucos em jantares imaginários. Eu gosto de roupas, invento uns modelos e luto pra dar as luzes, partos difíceis esses, idéias. Gosto de comprar roupas e sapatos, futilidades não, estilo próprio; não sou uma fashion victim - a vida é demasiado curta pra rótulos e embalagens estragadas. Eu gosto de café, de canecas e de planos de casamento. Gosto de mim, contudo e com tudo.

Com Canetas

Eu tenho um dois à esquerda na idade, mas não acho que sou tão velha. Chamo minha gata de nenê e dou apelidos adoráveis ao meu namorado. Eu tricoto porque me acalma, produzindo, me agradam as cores das lãs. Eu amo porque não vivo no gris, amor vivo, amo pessoas e filmes e livros e bichos. Eu tenho o Heitor, já me basta de tanto amor. Eu adoro a língua francesa, adoro as idéias parisienses e as boinas e os cafés.

Ele e Ela

No meio de toda aquela gente estava ela. Parecia impaciente, espichando o bonito pescoço e arregalando os olhos verdes para o início da rua. Mordia a boca rosada, na ponta dos pés se angustiava. Será que ele viria mesmo? Será que demoraria muito? Ela tinha comprado aquela saia, a verde-roxa, mas agora já não tinha mais tanta certeza sobre sua beleza. Quando chegaria o maldito ônibus?

Com borboletas no estômago, ele se equilibrava. O ônibus dançava, seus pensamentos não paravam. Estava considerando tudo, ponderando as palavras. Como dizer para ela? Quando pensava nela não conseguia controlar a expressão do seu rosto: sorria, ruguinhas nos olhos. E pensava muito nela, nos olhos verdes, nas sardinhas, nas mãos... Ela o fazia feliz, tornava seus dias mais coloridos. Mas havia outras coisas que ele...

Ela engasgou ante a visão do ônibus azul-verde. Olhou para o relógio, ele tinha de estar ali! Seus olhos grandes procuraram, vasculharam, voaram para dentro daquelas janelas. Sorriu, no meio daquelas pessoas enxergou os olhos castanhos e os cabelos escuros dele.

...precisava dizer a ela. O coração deu um pulo – ou o ônibus passou por um buraco na estrada - , no meio de todas as elas e os eles do ponto de ônibus, ele avistou os cabelos cor-de-cenoura e a bolsa-de-LP dela. Ela o esperava na ponta dos pés. Pôde v^-la a sorrir com os lábios e os olhos. Ele sentiu o corpo todo sorrir.

Ele desceria logo, ai... Gostaria de vê-la, de tocá-la? Ela e seus medos de estar feia e gorda foram levados por suas pernas bonitas para perto da porta.

Como poderia contar para ela, traduzir seus sentimentos para ela? A bonita ruivinha caminhava em direção à porta, ai como era bom vê-la assim, chegando perto!

Gentes desceram do veículo, gentes subiram no veículo. Mas ele e ela ficaram, extáticos, no meio de todo o mundo. Ainda bem que hoje não choveu, ela pensou ao pegar-lhe a mão. Como falar para ela e não parecer um bobalhão?, ele pensou ao chegar pertinho dos cabelos compridos dela.. Ah, como ela cheirava bem!

De mãos dadas no meio da cidade, sol claro de duas da tarde, o calor que os dois sentiam conflitava com o frio nos seus estômagos. Felizes, muito felizes. Eles viam as cores, sentiam os perfumes e a pressão das mãos. Mãos dadas.

“Então, a gente vai fazer o piquenique amanhã?” ela perguntou, ansiosa por marcar algum outro encontro logo. Se viam tão pouco, ela achava!

“Vamos, sim. Tua mãe deixou?” ele respondeu e perguntou, feliz por poder vê-la de novo tão rápido...

“Deixou. Ela gosta de ti.”

Os dois sorriram.

Ela ajeitou a saia e os cabelos com a mão livre, tomara que ele não esteja entediado.

“Essa saia ficou bem em ti. Estás bonita!” enrubesceu ele.

“Obrigada...” ela sorriu. Nada mais podia incomodar... Queria tanto que ele a achasse bonita! E ele a achara bonita! Ela se sentiu tão bem, saltitou levemente.

Ele riu a essa manifestação tão espontânea. Adorava isso nela. Apesar de ter certos receios quanto a impulsos e decisões abruptas, ela era tão encantadoramente intensa e imprevisível!

Ela se arrependeu daquele impulso por um segundo, ele vai me achar louca! Mas viu seu sorriso e se acalmou. Segurou a mão dele com mais força e dançou por dentro.

Caminhavam na cidade e viam as coisas. Falavam dos filmes e das aulas, dos cachorros e dos gatos. Não se viam desde segunda-feira: ela lera bastante naquele período e lhe escrevera várias cartas (jamais entregues); ele tivera aulas pela manhã e pela tarde, dormira no início de filmes e pensara muito nela. Ainda bem, as férias chegariam logo!

Ele queria contar pra ela como se sentia, precisava! Mas como?

Os dois, de mãos dadas, felizes e jovens.

Ele olhou para ela e percebeu uma mudança: seus cabelos pareciam menos brilhosos e seus olhos estavam mais cinzas do que verdes.

Ela estremeceu, não de emoção... Foi de frio mesmo.

Sem entender, ele olhou pro céu. Ela percebeu o sumiço das sombras deles do chão. O céu estava cinza, nuvens carregadas. Vento frio e intenso. Pingos cortantes atingiram o olho dela e, naturalmente, todos começaram a correr, procurar abrigo da tempestade próxima. Levemente assustados pelo bramido dos trovões, pelo súbito breu do céu e peso das nuvens, os dois também correram, mãos muito grudadas. Clarões de relâmpagos, pingos grossos, os dois sob o toldo de uma padaria.

Ele olhou para ela, ela ria e cruzava os braços. Ele gargalhou também enquanto ela comentou.

“Até parece que todo mundo é feito de açúcar... Fugindo da água desse jeito!”

Ele chegou mais perto dela para dar passagem a alguém quando, com o clarão de um relâmpago e o apito do interfone de um prédio próximo, finalmente soube o que sentia e como dizer.

Ela o observava, ele estava esquisito.

“O que houve? Pode me contar...”

“Tá, posso tentar... Todas as gotas dessa chuva, todas as pedrinhas no chão, todas as folhas que caem e nascem nas árvores todo dia... Tudo isso e todas as coisas do mundo são o quanto eu gosto de ti...”

“Hã?” sardinhas fulgurantes na pele pálida.

“Sabe, uma vez eu ouvi uma música... e não consigo lembrar de quem era, mas tem um pedaço da letra que ‘tá na minha cabeça...acho que é uma mulher quem canta, a música fala de pássaros...”

“Pássaros?” ela perguntou, intrigada pelo rumo das considerações dele.

“É, ela fala que os pássaros voam alto e podem cagar na tua cabeça e te assustam quando voam baixo, ou algo assim...”

“Hã? Do que estás falando?” ela perguntou, sobrancelhas de til.

“De ti.”

“O quê?”

“Bem, é assim com a chuva também. Tipo, ela vem do nada. O tempo escurece, o calor vai embora, começa a pingar e todo mundo sai correndo. Tem os relâmpagos, os trovões. A gente fica assustado, pode até ter medo ou ficar doente depois. Mas aí a gente pára e olha pro céu meio esverdeado, sente o cheiro da terra molhada e percebe como ela é bonita. É isso que eu sinto por ti.”

“O quê?” suas sardas sobre o rosto vermelho.

“Como na música, os pássaros assustam, mas quando tu olhas pra eles e vês como eles são lindos... É isso que eu sinto por ti.”

Ele respirou e ela sorriu.

“Eu queria dizer... Eu gosto de ti.”

O coração dela bateu tão forte que, para disfarçar, ela fez uma piada sem graça.

“Obrigada” chegou bem perto dele, rosada como um morango “Eu também gosto de ti.”.

Essência das essências foi o beijo deles.



[Para ler ouvindo "Birds", da Kate Nash]

4 Moedas no Cofrinho:

  1. quem escreve disse...
     

    Já li todos os teus contos postados por aqui. Às vezes me falta palavras para comentar, mas gosto bastante do que escreves.
    O amor é a essência de tudo, afinal de contas.

  2. Blinding Angel disse...
     

    Hum... estranho os diferentes modos que as pessoas usam para expressar aquilo que sentem, seja medo, desejo, ansiedade ou apenas um pensamento sem razão conciente.

    Expressar todo mundo precisa, apenas os modos que variam. Contossão bem legais e mascaram bem pra quem não nos conhece.

    Eu ainda espero um dia poder sentir de um modo tão intenso todas essas coisas. Não nego que sinto uma pontinha de inveja. Mas uma inveja saudável.

  3. Anônimo disse...
     

    Borboletas no estomago!
    ;)

  4. Anônimo disse...
     

    Oooownn, tao bonitinho. Passou rapido para o top da lista de contos favoritos ^^

    Tche.. tens q ler karekano... eh bonitinho, tu ias gostar... Eu tenho QUASE todos os livrinhos aki.

    Teh mais

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