
O Último Ponto da Carreira
Nos idos tempos de junho desse ano, eu dava meus primeiros pontos vacilantes na arte do tricot. Tenho várias historietas e anedotas tricotísticas para compartilhar com vocês, mas essa não é a hora. Quero falar sobre minha dificuldade com o último ponto da carreira. É muito chato tricotar o último ponto, lembro que perdi vários no meu teste cor de rosa. Ele fica estranho, feio... E parece que vai cair da agulha a qualquer momento. Todos os pontos parelhinhos, bonitinhos e ele ali, irregular e tosco. Tento puxar o fio de maneiras diferentes, aperto bem o dedo na hora de passar o ponto de uma agulha pra outra, mas nada funciona e ele continua saindo todo torto e zombeteiro. Sou uma iniciante, achava que era por isso, mas minha mãe hoje comentou que o último ponto sempre sai feio. Claro, ao tricotá-lo de novo, quando ele magicamente vira o primeiro ponto da carreira seguinte, ele se ajeita. Mas a tortura vai continuar a cada fim de carreira, o pontinho rindo da minha falta de habilidade.
Essa minha falta de tato com o último ponto da carreira é eterna. Não sei lidar com encerramento de ciclos, tudo sempre sai esquisito e só se ajeita na hora de recomeçar. Mas dessa vez não é fácil, pelo menos nada comparado à rapidez de iniciar a próxima carreira do cachecol. Nessas outras situações as coisas ficam chatas, complicadas, esquisitas e dá vontade de ignorar o ponto solto, ir fazer outra coisa... Tecer, talvez. Entretanto, apesar da minha vontade, não é assim que as coisas funcionam com as pessoas.
Eu passei por muitas coisas com meus amigos, por exemplo. Criei laços, perdi contato, ri e voltei a falar com eles. A lã se enrosca quando quero me afastar de alguém. Tenho vergonha de expor minha vontade, principalmente se nada aconteceu de grave entre essa pessoa e eu. Pelo menos que ela saiba...
Não que eu queira brigar com velhos amigos e só andar com pessoas novas, é o contrário até. Pelo menos em comparação de tempo, meus atuais confidentes são participantes da minha vida há uns meses mais que os outros, ai que enrosco de fios!!! Assim, tenho uns amigos amados há anos. Outros, há menos anos. Entre esses, tem um grupo que me encantou, me fez querer ser outra pessoa pra me enquadrar nas suas vontades e me quis bem. Mas eu nunca fui parte deles, não como eles foram de mim. Alguns desses amigos – eu gosto de todos, pra deixar claro – foram mais importantes pra mim e, o principal na hora da diferença, me deixaram ser mais importantes pra eles. Esses eu quero sempre por perto, apesar de não podermos passar os dias grudados como antes. O problema é um só: eles vêm com o kit dos outros, os que eu não faço tanta questão de ter ao meu redor. E parece que é aí que o ponto fica estranho, não dá pra separar uns de outros... Mas eu não sou parte de um círculo estático de amizade, sou só eu e tenho indivíduos como amigos... Mas como dizer isso sem ferir os outros, aos quais eu quero bem, e sem despertar desconfianças? Como ser clara se há tanto peso nesse silêncio?
É aí que parece que eu perdi o ponto, mas sei que quero recomeçar com os amigos que mais me fazem falta nesses dias de mudanças... Vou ter de dar um jeito nessas coisas, ou então como tricotar essas amizades sem ter vontade de jogar fora as agulhas e procurar outros trabalhos... Talvez escreva umas cartas, vá a alguns cafés e dê uns telefonemas pra marcar os dias dos reinícios de carreiras. Afinal, me saio bem com as palavras e atrás de uma xícara de café.